segunda-feira, março 28, 2016

Um imenso mar de gente que gosta de partilhar




Agora que já partilhei convosco as receitas dos acepipes deste meu domingo pascal e depois de ter estado a escolher fotografias e a enviá-las para os meninos, e que também já dei uma circulada pela net (fechando os olhos aos atentados e às corrupções), venho aqui dizer-vos que gostava mesmo que, como por magia, isto da Páscoa fosse um tempo de mudança, tudo do melhor para toda a gente, uma espécie de euromilhões a todos os níveis. Toda a gente apaixonada, toda a gente motivada, com projectos novos, toda a gente com vontade de ir para a rua passear e conversar, de estar na esplanada ao sol, a olhar quem passa, toda a gente com vontade de ler e de contar aos outros sobre os livros bons que leu, e toda a gente a gostar de ir trabalhar ou, não gostando, a ser capaz de encontrar outro trabalho, ou não o tendo, a encontrar um mesmo bom, e toda a gente a ter com quem falar, e toda a gente a ter a quem abraçar. E toda a gente com vontade de sorrir, de rir, de ir ter com aqueles que se afastaram e recomeçar a conversa como se não se tivesse passado tempo nenhum, ou, se alguém disse alguma coisa que magoou outra pessoa, a ser capaz de pedir desculpa e dizer, vamos recomeçar, vamos ver se desta vez a gente se entende.

Dito assim parece desejo infantil, uma utopia ingénua, completamente desligada da realidade e injustificável numa pessoa da minha idade. Mas é o que eu desejo e acho que, se o disser, pode ser que aconteça.


Ponho-me aqui, sem ter qualquer objectivo, apenas pelo gosto de escrever, mesmo que escreva não mais do palavras soltas, palavras que irão perder-se no infinito espaço. Mas, mesmo sabendo que as minhas tocarão outras e se trocarão entre si, uma e outra vez, e que, um dia nem eu as reconhecerei ou saberei explicar porque as escrevi, mesmo assim escrevo.

E, enquanto escrevo, aqui na minha sala quase às escuras, apenas um pequeno candeeiro sobre o computador, gosto de escolher músicas, poemas, toadas, embalos luminosos que, depois, gosto de partilhar convosco. Alguém as colocou no mundo para que outros, como eu, as ouvíssemos. É um imenso mar de gente que, por exemplo, partilha pensamentos, opiniões, sorrisos, gostos musicais e mundos encantados, emoções, silêncios e divinas toadas, perplexidades, memórias e reflexões, disparos certeiros, patadas e bacoradas, que nos leva pelos seus caminhos da floresta, que nos traz leituras dos caminhos do mar, da terra e do céu, que nos convida para o lado caliente do mundo, que nos mostra o que os seus olhos vêem em lugares onde dificilmente iremos. Um mar de gente, um imenso e maravilhoso mar de gente que gosta de palavras. É como se todos nós deixássemos oferendas nas portas uns dos outros, todos nós, pessoas generosas, espalhando dádivas, sorrisos. Como se estendêssemos as nossas mãos para que outros as tocassem.

Por vezes pasmo com os milhares de blogues de toda a espécie que há. É verdade, há tantas pessoas que escrevem, tantas, tantas que ao longe, invisíveis, se unem pelo gosto das palavras. É verdade: poderia ser um diário, um caderno de notas, bilhetes postais, epístolas em papel perfumado, bilhetinhos em garrafas deitadas ao mar. Mas é assim, as mãos deslizando pelo teclado, as palavras nascendo na tela branca, quase a perderem-se de nós, quase mais vossas do que de nossas, desprendendo-se de nós.

Estas agora voando de dentro de mim. Já não minhas. Entrando pelas vossas janelas, chegando-se aos vossos corações.

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(...)
The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles
in happiness
and the soul comes
joyful to the eye
(...)
Song de Allen Ginsberg (lido por Tom O'Bedlam)

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As fotografias foram feitas neste domingo, ao fim da tarde. 
Lá em cima Anna Netrebko interpreta Casta Diva de Bellini.
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Relembro: caso queiram saber o que foi o meu menu de Páscoa e conhecer as receitas, é fazerem o favor de descer até ao post seguinte.

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