domingo, fevereiro 28, 2016

Terirem





De vertigens, de sobressaltos, de inquietações. Do que existe para não ser falado, do que existe desde antes do princípio, desde antes de haver compreensão. De um tempo antes do tempo, sem explicação, pura perdição. De sombras que não são sombras, desvãos imensos, lugares nenhuns. De espaços indefinidos, sem luz, sem ar, sem contornos. Ondas que vão e vêm, voos infinitos, acordes longínquos, sonhos perdidos que pertencem a ninguém. Do nada. Do tudo. Do antes do antes, do que não tem depois, nem nunca.

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Muito tempo depois, alguém, algures, escreve, alguém, algures, lê. Alguém, algures, diz, alguém, algures, escuta. Sem rosto, sem voz. Tacteando no vazio, alheios à sua cegueira. Palavras feitas de silêncio e impossibilidade, sons intangíveis, mãos que se estendem no vazio e que nunca se tocam. Uma solidão desmedida perdida por entre palavras transparentes. Vogando ao acaso, segredos que se escondem por entre a inquietude. E todos estranhos, todos tão estranhos. Estranhos perdidos no vazio. Lançando palavras ao vento, esperando que alguém as colha - palavras, flores, pássaros, reflexos de luz, segredos. Pontes infinitas, sem princípio nem fim, sobrevoando o imenso espaço. De um lado alguém, do outro lado alguém. Estranhos, sem rosto. Estrangeiros. Pó perdido no espaço. Pó levado pelo tempo.

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Quem, do mundo, se acha julgador, quem, do mundo, se julga sabedor, nada sabe. Não há julgamento possível quando os mares se evadem e os astros se escondem e os risos se ocultam e a imensidão é infinita e a incompreensão absoluta. Pobres dos que julgam que muito sabem. 

Mas deixa.

Dorme, meu menino, dorme, dorme que a lua é uma ilusão.
           Dorme, meu menino, dorme que o sol e a chuva e o vento pouca coisa são.
                      Dorme, meu menino, dorme porque a vida é breve e o tempo não espera, não. 

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Mas, se quiseres que eu pense que ainda estamos vivos, então conta-me de vigílias em templos de pedra onde a noite se esconde, conta-me de liturgias com que eu nem sonho, conta-me de ressurreições inventadas, conta-me de lendas bizantinas onde os espíritos do mal e do bem se enlaçam, conta-me de histórias de dragões de fogo e de subtis princesas, de leões dos oceanos e de bordados eternos, de ilhas douradas onde velhos navios naufragaram e esguias palmeiras se esgueiram para os céus, conta-me de ninfas loucas e de monstros perdidos em inexistentes labirintos, conta-me de estátuas feitas de carne e sangue, de deusas caçadoras e zeladoras da virgindade, conta-me de guerras sangrentas, de longos abraços festejados com banhos de mel. Fala-me de longos beijos. Fala-me de amores inventados. Fala-me de ti.

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Fotografias feitas este sábado na exposição de Hein Semke no CAM da Gulbenkian. 
Lá em cima Nektaria Karantzi interpreta Terirem

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E queiram -- se vos apetecer, claro -- descer até aos três posts abaixo e  percorrer o que os meus passos percorreram este sábado: venham passear comigo entre jardins, museus, lugares abandonados.

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