domingo, março 29, 2015

A Crónica H de Pedro Santos Guerreiro. O Eixo do Mal com sentida homenagem a Herberto Helder. As marcas em nós de um Poeta maior num dia de sol junto ao rio.





De repente, depois de uns dias frios em que as noites junto ao rio se apresentavam envoltas num vento cortante, eis que chegou o calor, o céu limpo, o rio espelhado ao pôr do sol. 

Há uma doçura no ar, a doçura que vem com a promessa da natureza a renascer, com a temperatura que trará a pele para o contacto do sol. As cores estão suaves, limpas, e as pessoas passeiam devagar, namoram ao sol, conversam olhando os barcos que passam.




E para lá fomos, portanto, e lá foram ter os que tinham ido buscar quem chegou do norte. Os meninos gostam de brincar, correm, escondem-se atrás das árvores, jogam à bola, atiram o disco. Hoje o disco foi para ao rio. Vimo-lo a afastar-se. Um deles disse: não faz mal, é só um prato.

Aquele a quem eu chamava ex-bebé e a quem já não poderei chamar isso, uma vez que está prestes a fazer quatro anos, um rapaz divertido e corajoso a quem os primos tratam por Kokokas, subiu ao pequeno farol, e, destemido, queria ir mesmo até lá acima, queria ver a luz. 




Não o deixámos, claro, mas, ainda acima, ficou perto da lua. Aliás, quando viu a lua a esboçar-se naquele céu tão limpo, ficou intrigado e disse que se calhar já ia ficar de noite.

Depois o sol começou a pôr-se, esfriou. A luz coalhou-se nas águas, os barquinhos pareciam querer ir para lá do horizonte, mergulhar no oceano que vai para o outro lado do mundo.




Dali seguimos para um lanche, uma mesa grande, e os dez em volta da mesa, sempre aquela animação, as crianças riem, nós rimo-nos a olhar para elas. Quando cheguei a casa, já anoitecia e estava frio.




Estive, então, a ler o Expresso e, para começar, folheei a revista, vi as fotografias de Herberto Helder, depois li os vários textos, senti a emoção de quem os escrevia deixando transparecer a admiração profunda por este poeta maior. 


Depois passei para o jornal principal e, como sempre, fui para a crónica de Pedro Santos Guerreiro. E, aí tenho que confessar, comovi-me. Não estava à espera, não falava de economia, bancos, crises financeiras, do mal do País. Não, Pedro Santos Guerreiro falava com o Poeta.  Chamou-lhe Crónica H.



Estou acordado. Fala-me de ti. Hoje não há espadas trespassando os cometas da semana, Herberto Helder morreu e eu vou escrever uma crónica. Não é um texto de opinião, não é um editorial, não é sequer uma coluna, são apenas quatro quartos de coluna, é uma crónica, é fogo daqui em diante, a saída de emergência é já aqui. Saia.

Fique.

(…)

Este texto é meu e não vim cá hoje para ver nem para ler, vim para estar. E ir. Afinal, isto é uma crónica e é a minha forma de expressar não o amor por ele mas o amor pelo amor que ele nos revelou. Herberto, o que quero eu? É apenas uma crónica, não preciso de vencer. Só quero dizer: Herberto é para ler todo e serve para ler tudo. E para nos vermos a nós depois dele, no nosso mundo depois daquele, que são o mesmo, mas nós diferentes.

Sim, estou acordado. Fala-me outra vez.


[A Crónica H completa, de Pedro Santos Guerreiro, pode ser vista aqui]



Também especialmente comovente a parte final do Eixo do Mal.

Clara Ferreira Alves, emocionada, mas solid as a rock, falou não tanto da obra, imensa na sua imensa beleza, mas sobretudo do homem, uma catedral, um homem grande neste tempo de homens pequenos. Contida, a voz arrancada palavra a palavra, disse palavras justas e marcantes sobre o pai do homem que, em sua frente, a escutava. Também contido embora comovido, Aurélio Gomes passou a palavra a Pedro Marques Lopes que, olhos marejados, voz emocionada, disse que apenas diria que era o poeta da vida dele e o pai de um grande amigo. Luís Pedro Nunes não quis falar e eu compreendi. Finalmente falou o filho. Daniel Oliveira disse que nunca tinha querido falar do pai e agora falava apenas para pedir que não façam agora ao pai aquilo que ele não quis em vida: dar o seu nome a uma rua ou praça, fazer um busto, coisas assim. Não o disse mas deve ter pensado que era a primeira vez que o pai não o estaria a ver como sempre costumava fazer. Mas sabemos lá nós se não o estaria mesmo a ver.





A seguir, emocionado, Aurélio Gomes passou Fernando Alves a dizer um poema de Herberto Helder, enquanto mostravam fotografias do poeta. No fim, estavam todos comovidos e eu também. Ninguém gosta de pensar que os poetas também precisam de descansar.


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O poema de Herberto Helder que Fernando Alves diz no vídeo do Cine Povero é As manhãs começam logo com a morte das mães.


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No post a seguir falo das Testemunhas de Darwin e de outras.

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Desejo-vos,meus Caros Leitores, um radioso dia de domingo.

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1 comentário:

Carlos disse...

Fiquei curioso em relação à crónica do Pedro Santos Guerreiro; a ver se a encontro disponível na Internet. Quanto ao Poeta, digo-lhe apenas que a prosa poética que abre «Servidões» é das coisas mais belas que alguma vez li.