terça-feira, maio 29, 2018

Não me comas... pleeaaaaseeee...


Só para dizer. Não sou puto fã de festas temáticas, festas surpresas ou cenas afins. Quando faço anos, estar com a família mais próxima é do que gosto, e mais do que isso já me fatiga. E é em casa, comidinha feita por mim, nada de barafundas de restaurantes. Quando faço anos de casada, ir numa de escapadinha -- nem que seja ao virar da esquina -- já está bem para mim. Naquelas coisas que alguns casais fazem, de renovar votos com copo-de-água e tudo a preceito, nem que me pagassem. Nem pintada. Nem com a promessa de vida eterna. Uma seca dessas não a suportaria nem á lei da bala.

Espanta-me sempre quando as pessoas se empolgam e afadigam durante semanas a preparar ao pormenor cada coisa de um festejo quando depois o momento se esgota num ápice e pouco fica da trabalheira de quem andou naquela labuta.

A minha filha é assim: gosta de organizar cenas. Se há algum happening, aí está ela a engendrar o como, onde, quem, a imaginar o décor, as toilettes, os presentes, os comes, os bebes, os isto, aquilo e o outro.

Quando era pequena, o que ela vibrava, em antecedência, com o dia da festa de anos. Eu tentava moderar-lhe as expectativas e ia pensando em sucedâneos (caso fossem necessáros) já que, fazendo anos em pleno período de férias, dos vinte amigos que convidava, se aparecesse uma meia dúzia já era uma sorte. Felizmente, com o irmão, os primos e os miúdos do prédio a coisa compunha-se. Mas, depois, das mil brincadeiras que imaginava e preparava com um entusiasmo que me enternecia, poucas conseguia fazer e, por volta das nove ou dez da noite, já os amigos se iam embora e já ela ficava desolada por ter acabado tão depressa.

Não sou disso.

Mas que não se pense que me acho melhor do que alguém que seja festeiro. Não. Cada um é como é -- e aprecio a veia festejadora de quem a tem.

Eu, mesmo nas datas mais simbólicas, não me dá para festivais. Quando fiz um aniversário bem redondo, tinha pensado vivê-lo em Florença. Mas uma pessoa da família estava gravemente doente e irmos para fora parecia arriscado. Fomos, então, dar um passeio no país, regressando a tempo de jantar com a descendência que, na altura, ainda não contemplava netos. Ainda me lembro da minha filha se queixar que o bolo poderia ter sido mais artilhado. Devo ter ido comprar na primeira pastelaria que, àquela hora, estivesse aberta*.

A verdade é que embirro com bolos de aniversário que têm muita cor, muito acúcar e pouca arte. Parecem-me uma piroseira. Quanto mais simples, melhor. O ano passado comprei a tarte de framboesas da Padaria Portuguesa e adoraram. É pequenina, só dá mesmo para provar. Tem que se trazer outros bolos.

E digo 'trazer' porque os vou sempre 'buscar' à loja. Fazer bolos não faço. Não dão para improvisar. Se me ponho a juntar beterraba para ficarem encarnadinhos, sei lá se ponho na dose certa e, às tantas, não fica o bolo todo mal saboroso. Ou se invento de misturar sumo e casca de laranja, amêndoas e cenoura ralada sei lá as doses para ficar na textura certa. Uma vez fiz um doce que consistia em chocolate derretido a envolver frutos secos, passas, fruta cristalizada. Ia ao frigorífico a solidificar. Quando secava ficava como que um chocolate sólido, com alto recheio. Adorei. Os miúdos detestaram. Os mais crescidos acharam que estava calórico demais. Foi a gota de água. Resolvi que não estaria mais para me aventurar a dar o meu melhor e ainda por cima ser criticada ou gozada. Foi o ponto final.

Comida de tacho ou forno, não: dá para rectificar, acrescentar, disfarçar. Gosto. É a minha praia. Nos bolos tem que se ensaiar, ver se fica a contento, e, se for aprovado, repetir. Ora repetir é coisa que não me assiste. Ou seja, para uma inventora anárquica como eu, mais vale assumir que doçaria é terreno interdito.

Mas tenho pena.

Gostava de ter mão para doces, de inventar e ter a intuição para antever o resultado final.

Uma cunhada do meu filho é uma artista. É capaz de passar horas a esculpir figurinhas que saem bem, são divertidas e saborosas.

Aliás, há gente que faz bolos mesmo artísticos.

Mas, não desfazendo, nada como Elena Gnut, a pasteleira russa de 31 anos que faz bolos que devem causar desgosto a quem tem que os comer. Eu, pelo menos, se fosse um bolo destes imploraria para não me comerem.

(Adiante, que o que eu disse daria pano para mangas...)

A sério: um bolo assim eu gostava de ter numa festa minha. Sobretudo, gostava de ser capaz de fazer fazê-lo e depois partilhar o prazer de ter família e amigos à minha volta, a cantar, a contemplar tamanha obra de arte e, finalmente, a comê-lo, chorando por mais.

Um igual a este, por exemplo, seria, soit-disant, a minha cara. Uma comoção. Nem sei se deixaria alguém dar-lhe uma trinca.


E sai uma musiquinha para ajudar à festa


E mais um bolinho, coisa simples.


Bon apétit

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Um dúvida metódica: 
Será que um bolo assim pensa: 
Não me comas 
ou, pelo contrário, 
Não te acanhes... come-me... vá lá...
?
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* Recebi uma sms da minha filha que passo a transcrever: 
Já li. Era e sou assim mesmo. Mas, para variar, não te lembras nada de pormenores. Quando fizeste anos, foste passear e nós, à noite, aparecemos aí em casa e, como não tinhas bolo de anos porque não era para haver nada, eu comprei um salame mas, como estava tanto calor e eu tinha ido jantar fora com o X. porque fazíamos dois anos de casados, ficou todo mole e meio derretido mas ainda deu para cantar os parabéns.
(NB: Agora que o diz, lembrei-me. Bem me lembrava que a cena do bolo tinha dado que falar. E, já agora: quando ela diz que ficou todo mole e meio derretido refere-se ao salame, não ao X.)