domingo, maio 20, 2018

Ai flores, ai flores do meu heaven, sabedes porque cresceis tanto?






Portanto, acabámos por chegar aqui, in heaven, já bem ao finzinho da tarde. Já nem abri as portadas, daí a nada estava a anoitecer. Só abri as de dentro, de vidro, para arejar. E, de máquina fotográfica ao peito, fui logo laurear.

Estava um fim de dia todo ele doçura. Uma luz dourada, suave, os pássaros cantando, as flores despontando por todo o lado, tantas, de todas as cores, perfeitas, lindas, perfumadas. 


E as árvores assombrosamente altas. Muitas, no sítio onde as podámos, têm agora tufos de rebentos.


Olho-os com encantamento porque estou a testemunhar a força imbatível da natureza, não se rendendo, reinventando-se.

O meu marido não: diz que, ao ver aquilo, pensa que mais vale desitir, que nunca vamos conseguir domar aquela força.

Compreendo-o. Muitas vezes penso o mesmo. Mas não o verbalizo porque parece que tenho medo que a terra me ouça e nunca mais faça de conta que está a deixar alindar-se às minhas mãos. É um dos casos em que prefiro iludir-me.


Como sempre, quando chegamos já fora de horas e os pássaros estão convencidos de que não aparecerá alguém para os perturbar, quando passo ouço a agitação que se forma no meio da folhagem até que se libertam, arreliados por terem sido incomodados com a minha presença. Hoje, de dentro da azinheira grande, até penas eu vi caírem quando umas rolas esvoaçaram de lá de dentro. 

E, no entanto, vou silenciosa, andando devagar enquanto olho o prodigioso crescimento dos arbustos e das árvores desde a semana anterior. Como é que desta terra pedregosa sai tanta vida? Espanto-me. Não me canso de me espantar.

Olho o rosmaninho, os oregãos que já estão a ficar grandes, o tojo que o meu marido cortou e que já está a rebentar de novo, verdinho, arrebitado, o alecrim que está viçoso, enorme. Apanho um ramo de alecrim para o jantar.


Os arbustos de madressilva estão enormes, carregados de flores. Trepam pelas aroeiras, enfeitam-nas, perfumam-nas. Ocorre-me a palavra luxuriante mas talvez sejam inocentes demais para esta adjectivação que associo a alguma sofisticação na exuberância e estas florzinhas são tão bonitas e simples que mais parecem ser próprias para um idilíco paraíso do que para uma selva tropical. 

Depois, vim para casa. O meu marido continuou lá fora, nas suas lidas. Gosta quase tanto de cá estar quanto eu. Ou, na volta, tanto quanto eu mas, como é pouco expansivo na exibição das suas emoções, não o demonstra de forma tão expansiva quanto eu.


Em dias assim trago para fazer para o jantar uma coisa simples, que se faz rapidamente e que se come sempre bem: lombos de salmão congelados. Claro que, apesar de virem num saco térmico, já estavam descongelados.

Para acompanhar só cá tinha batatas, das normais e das doces. Se, na vila, o pequeno supermercado estivesse aberto quando por lá passámos, teria comprado tomate para fazer arroz de peixe ou, então, salmão em tomatada para acompanhar com arroz branco. Mas claro que já não havia onde comprar nada. Portanto, um jantar mais minimalista.

Liguei o forno. Quando quente, coloquei um pequeno tabuleiro com azeite no fundo, uns raminhos de alecrim, os dois lombos com um pouco de sal, mais alecrim e reguei-os a azeite. Ao colocar o tabuleiro, reduzi a temperatura para 160º. Entretanto, pus algumas batatas a cozer. Quando estavam já a amolecer, tirei-as do tacho e coloquei-as no tabuleiro, ao lado do salmão. Rebolei-as no azeite e no alecrim. Depois, para dar um ar da minha graça, pus um pouco de vinagre de Modena por cima. Voltou tudo ao forno para alourar e uniformizar sabores.

Acompanhámos com alface. Estes ares saudáveis abrem-nos o apetite.

As nêsperas já estão amarelinhas mas ainda precisam de ganhar mais doçura. Como sempre, já começou o despique com os pássaros. As mais doces já eles lá andaram a debicar. Sempre isto. 


Amanhã vou à horta buscar morangos. Cá de cima, vi que já lá estão encarnadinhos. Por entre os ramos das couves que se puseram gigantes e floridas, lá estão eles.

Os figos ainda estão muito no início, só lá para o Verão estarão carnudos e doces. As uvas ainda são apenas uns pontinhos minúsculos e verdes agrupados em cachos. Ainda falta até que estejam roxas e doces. 

As transformações da natureza maravilham-me. São metamorfoses mágicas. Milagres. Nestes milagres eu acredito: vejo-os, cheiro-os, como-os.


Só os figos da figueira brava estão desenvolvidos. Não são figos a sério. Por dentro nada têm que comer. Caem cedo. Mas a figueira está perto da casa e no verão dá uma sombra fresca, boa e cheirosa. 

Não quero cortá-la. O vizinho assusta-nos, diz que esta árvore é traiçoeira, deita raízes que se infiltram dentro de casa, que vêm agarrar-se aos canos. Diz que podem levantar o chão de uma casa. Sei que é verdade. Quando fizémos obras na cozinha, havia uma teia de raízes entre a parede e o armário e, de facto, tinham vindo enlear-se na canalização. O meu marido, que tem sentido prático, já disse que, se calhar, o melhor é mesmo cortá-la. Eu não quero nem ouvir falar nisso, prefiro arriscar. A árvore é magnífica e a sua sombra -- que me traz os cheiros do Algarve, de quando eu era pequena e ia ficar nas terras da minha avó, onde se secavam figos, amêndoas e aflarrobas -- é preciosa. 


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E, por agora, é isto. Mas, antes de me ir, deixem que partilhe convosco o vídeo abaixo. Ouçam a voz deste jovem, vejam a sua emocionante actuação, vejam como o seu sonho se trasforma numa assombrosa realidade. 

Gruffydd Wyn interpreta Nessun Dorma 


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E, caso tenham agora chegado aqui e ainda não tenham estado na praia comigo, queiram descer, talvez até para colherem algumas das florzinhas que lá crescem no areal.

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