domingo, fevereiro 11, 2018

O meu vasinho de violetas




Recebi de presente um vasinho de violetas. Não estava à espera de receber presentes, muito menos um vasinho de violetas. Adoro violetas. Adoro o desenho das pequenas e delicadas flores, a cor das pétalas, a textura aveludada das folhas.

Agora, para aqui lhes fazerem companhia, fui à procura de poemas dedicados a violetas. Não encontrei. Os poetas são mesmo gente desatenta, gente aluada. Como é possível? Como...?

Eu, se fosse poeta, destilava as minhas muitas palavras e ficava-me pela essência azul das violetas e pelos segredos inocentes que elas escondem. 

Inventava que nelas caberiam mil noites, mil desvarios -- tantas as saudades, tantas, tantas. E não saberia de quê porque as saudades quando são tantas, tantas, não sabem de motivos, não sabem de nada, sabem só que são azuis e macias como veludo e que sentem a falta de olhares loucos e de mãos sem rumo e de murmúrios e lágrimas de amor. 

Se eu fosse poeta imaginaria que todo o mistério do mundo caberia na beleza extrema de flores assim tão elegantes, tão perfeitas, tão intangíveis quanto o som de uma voz que me está longe, quanto a ternura de um sorriso distante, um sorriso nascido para mim.  

Se eu fosse poeta quereria ter um vasinho de violetas perto de uma janela, entre a sombra secreta da memória e a luz vibrante dos sonhos. 

Se eu fosse poeta, viraria depois o mundo ao contrário e a noite seria manhã e a manhã viria radiante enchendo a pedra de luz e na luz pousava o vasinho, deixando que as flores se iluminassem de cor de rosa. 

Depois, procurava. Ah. A luz radiante da manhã precisa de companhia.

E ali estava ele. O fruto dourado, macio e doce. Abria-o ao meio, punha-o ao lado do vasinho de violetas e fotografava-o. E faria um poema carnudo, luminoso, com um perfume de mel em cada palavra.


Isto se eu fosse poeta. Mas, como não sou, não digo nada disso.

Limito-me a ser eu. Portanto, teve que ser: comi-o.

Agora, quando olhar para o vasinho, nem sequer vou sentir falta de ter o fruto tentador ao pé das flores porque sei que o fruto doce e macio corre no meu sangue, dentro do meu coração.


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E agora, se vos apetecer passear, queiram fazer o favor de descer até ao Seixal.

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