segunda-feira, novembro 20, 2017

Um olhar cravado na pele
[Isto é, na parede]




Podia um dia, caminhando sozinha, sentir o bafo ainda quente de quem por aqui passou antes de mim. Podia um dia, rasando paredes abandonadas por onde um dia a vida aconteceu e agora já não, sentir que um olhar longo pousou um dia em mim e em mim ficou colado para sempre.

Podia nada dizer, as palavras esvaídas, as saudades magoadas, o frio à flor da pele, passar rente ao rio, e, de repente, sentir que uma mão me prende, um coração bate junto ao meu, e eu avançar sem vontade, querendo entrar por dentro das paredes, procurar o dono do olhar, o dono da respiração que, para sempre, sentirei junto a mim.

Podia em dias de azul ficar-me apenas contemplando as águas, o céu, a luz do dia. Mas não. Caminho transportando em mim a memória de palavras vindas de um outro tempo, a memória de um sorriso pousado no meu, e cores, mil cores rasgando os meus segredos, mil cores desafiando a emoção que escondo no mais fundo de mim.

Terá sido um tigre que um dia cruzou os meus passos, um tigre azul que ninguém viu mas que acariciou o meu coração? Terá sido um tigre com uma alma vadia que cruzou céus e mares para vir deitar-se junto à fogueira que arde no meu coração?

In what distant deeps or skies 
Burnt the fire of thine eyes? 
On what wings dare he aspire? 
What the hand dare sieze the fire? 


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Fotografias feitas no Ginjal.

"The Tyger" de William Blake é aqui lido por Tom O'Bedlam

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