domingo, setembro 24, 2017

Folhas de Outono


De manhã rente ao rio, a seguir ao almoço respirando o suave aroma do outono in heaven. Dia bom. As folhas douradas, o céu muito azul, o sossego tão apaziguador.




Continuámos a desbastar pinheiros e o odor que se eleva dos ramos cortados é perfume que gostava que pousasse na minha pele e aí ficasse. Mergulho o rosto, aspiro, passo as mãos, lavo a alma.

Gosto de ver as árvores limpas, arejadas, gosto de andar pelo meio do mato. 


A tarde silenciosa. Os pássaros em delicado repouso, querendo apenas sentir a doçura desta tarde em que a luz se aquieta sobre os montes, sobre as árvores, sobre as folhas que estão alouradas ou acobreadas e que, não tarda, atapetarão o chão, folhas caídas que prenunciarão as chuvas que tardam e que tanta falta fazem à terra que está tão seca. O horizonte, ao fim da tarde, em tons quentes: chamas de emoção no coração de quem ama, saudades que embalam. 


Imprevidentemente estava de saínha justa e, portanto, não apenas a faculdade de levantar a perna para me defender ao passar sobre silvas ou tojos estava limitada como a pele à vista era, de facto, um convite ao arranhão. Agora, enquanto escrevo, reclinada no sofá, o computador sobre as pernas, olho-as. Lindas (salvo seja e não desfazendo): picadas, arranhadas. Incapazes de dar as caras em reuniões feitas para corpos cosmopolitas, preparados em ginásios e não na poda em pleno mato. Como isto das luvas. Gosto de sentir e as luvas retiram-me o sentimento. Não as uso. E não me importo de olhar as minhas pequenas mãos e vê-las com as marcas do prazer que os trabalhos no campo me proporcionam.


O meu marido aborrece-se por me ver andar assim no meio do mato, a podar pinheiros, a arrastar frondosas pernadas. Diz: 'E, para cúmulo do disparate, de máquina fotográfica ao pescoço'. Mas tem que ser. Não dá muito jeito mas, a cada instante, posso ter vontade de fotografar. E tem que ser naquele instante. A luz macia por entre as ramagens, embelezado a pinha, aquela pinha em concreto naquele preciso momento, as uvas muito doces, os cachos meio comidos pelos pássaros, alguns bagos rebentados tanto o açúcar. A vinha virgem a incendiar-se rente à parede. A glicínia dourada sobrevoando o portão.


Depois, ao fim do dia, descanso. Deitada no sofá, a luz do entardecer inundando a sala. Leio Pedro Páramo. Uma escrita encantatória. Saudades metamorfoseadas em palavras. Nostalgias. Memórias, sonhos, fantasias. Gente que fala, murmúrios que se levantam das pedras, que se evolam das paredes. mortos que permanecem vivos, sombras que inquietam quem vem em busca de reencontros. Mulheres que oferecem o corpo das amigas ao homem que amam, filhos que quase poderiam ter sido filhos de outras mulheres, homens com o sangue vadio a correr nas veias que, à noite, visitam mães e cometem outros desacatos.


Encanto-me mais com as palavras do que com a história. As palavras ganham um sentido guapo, os verbos são gestos de gente. Outras vezes enchem-se de música e juntam-se para formarem belas toadas. Poesia por vezes, agressão ou susto nas restantes.

Depois, o sono começa a descer sobre mim e os nomes começam a enovelar-se. Não faz mal.

Logo retomei. A história como uma sucessão de episódios oníricos, e as lembranças e os sonhos vêm debruados com a estética dos sentidos, as frases perfeitas, as palavras e os nomes que atravessam os tempos, que furam a normalidade e trazem aventura, receios -- raramente as bem aventuranças que se queriam.


Apetece-me agora transcrever alguns excertos para mostrar a quem não conhece a obra mas é muito tarde, este já é o terceiro post desta noite e eu intuo que canso os meus Leitores com estas minhas tantas palavras que não se calam.

Fico-me, pois, por aqui mas permito-me ainda sugerir que se deixem ir deslizando pelos posts que se seguem. As vossas visitas alegrar-me-ão sempre, seja para me lerem no campo ou à beira-rio.

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