quinta-feira, julho 13, 2017

Breve relato de parte de um dia normal
- por acaso o dia em que a Antárctida voltou a mostrar que está a derreter -





Vou começar a escrever enquanto vejo na televisão o que já tinha visto, in heaven, no fim-de-semana: o filme sobre a Paula rego feito pelo filho. Maravilhosa Paula Rego. Belo filme. E, ao mesmo tempo, ouço Ann Hallenberg a interpretar Vieni, o figlio de Handel. Que nem de propósito. Ainda há pouco fui fotografada com toda a descendência. O sofá grande completamente cheio, com os maiores no segundo balcão. Mais feliz não podia estar. E antes estivemos a jantar. Saí ligeiramente mais cedo e durante hora e picos estive num rodopio. Gosto de fazer jantar para a família inteira assim num foguete. Conto o que fiz:


Cozi postas de bacalhau com uma cebola. Noutro tachinho, ovos. Noutro, feijão verde. Noutro, batatas normais e doces. 

Entretanto, o meu marido foi comprar frango assado. E encomendei duas pizzas em forno de lenha, umas boas com queijo de cabra, alcachofras, frango, nozes, manjericão, salmão com sumo de limão.

Depois do que estava ao lume estar pronto, escorri e preparei.

1 - Num tabuleiro coloquei as batatas cortatas aos bocadinhos. Por cima coloquei salmão fumado, cortado às tiras. Por cima espalhei bolinhas de mozzarela e tomatinhos cherry. Cobri com 1 ovo cozido picado. Temperei com azeite e coloquei no frigorífico.

2 - Noutro tabuleiro coloquei grão cozido enlatado. Por cima o bacalhau ortado aos pedacinhos. Por cima, ovos cozidos às rodelas. Temperei com azeite. Ao lado, numa tacinha, coloquei cebola roxa picada com salsa também picada.

3 - Numa taça grande, coloquei batatas fritas de pacote (das light, com pouca gordura). Em cima o frango assado desfiado, por cima vários tomates cortados aos quadradinhos. Depois mais batatas fritas. Por cima maionese e ketchup, mas não muito de cada. Envolvi tudo. Temperei com orégãos.

4 - Numa frigideira, coloquei um pouco de azeite. Coloquei meia farinheira aos bocados e deixei alourar. Juntei seis ovos e um pacote pequeno de batata palha. Envolvi. Ficou quase um brás de farinheira. Para ser mesmo, deveria ter também cebola frita mas alguns dos miúdos embirram com cebola pelo que omiti.

5 - Numa tacinha, o feijão verde temperado com azeite e sumo de limão.


Para a sobremesa, tinha encomendado uma tarte de framboesas. Base de tarte, cheese cake e o topo totalmente coberto de framboesas. 

E, como sempre, houve cantoria e alegria. Só o bebé não estava nos seus melhores: tinha ido às vacinas. Tinha um penso na pernoquinha gorda, fofinho mais lindo. 


O dia foi duro mas de noite não me lembrei disso nem uma única vez. Viro as costas a uma coisa e logo me mudo para outra dimensão. E, na nova, nem me lembro do que se passava na anterior. Sou a pessoa mais primária que conheço.

Há pouco li o tírtulo de um texto: Se Bukowski fosse seu conselheiro, acredite, você não sofreria por amor. O texto está escrito em brasileiro e, por lá, li também: Longe (longe mesmo) de ser romântico, o Velho Safado (alcunha de Bukowski) tinha uma visão distorcida e fria do amor e, considerava uma grande “perda de tempo” sofrer por qualquer sentimento que fosse, já que para ele, todos eram passageiros: “O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.” (Charles Bukowski, Numa Fria, 1983).

E fiquei a pensar que eu nunca sofri por amor. Também eu acho isso perda de tempo. Também eu acho que a gente ama o que nos faz sentir bem. Não percebo quem se apaixona por quem não retribui, quem tem amores impossíveis. Quando digo isto a alguém assim, sofredor, dizem-me que amor a gente não escolhe. Se calhar não é igual com toda a gente. Eu escolho. Vejo assim: sendo que a circunstância é que a minha vida é finita, não me parece sensato desperdiçá-la. Não me ocorreria ter uma paixão pelo Zidane, que acho um homem altamente interessante e que, se estivesse à minha mão e eu fosse uma mulher livre, quereria ter para mim. Como nenhuma das premissas se verifica, tiro daí o sentido. 

A minha mãe, perante afirmações minhas neste sentido, diz que parece que sou excessivamente racional. Mas não sei se sou porque não é coisa pensada. É mais uma forma de inteligência animal, é fazer uma escolha em que o sucesso está garantido e por sucesso entenda-se o ter uma relação boa, com afecto retribuído. Se achasse que, dadas as circunstâncias, não poderia ter um amor plenamente vivido como se calhar gostava, adequaria a expectativa à concretização possível e viveria feliz com isso. 


Penso muitas vezes que a maneira como penso ou ajo é, na verdade, muito mais animal do que racional. Duvido que os animais sofram por amor. E, cá para mim, são tão primários como eu.

Ainda por cima, ser primário não é nada mau. Vinha no carro, a pensar no que tinha que fazer, que ainda queria ir ao supermercado comprar a cebola roxa (o resto já tínhamos comprado de véspera), a telefonar à minha mãe, depois ao meu marido para saber que variedades de pizza havia de encomendar. Pelo meio ligou-me um colega e estivemos a falar de uma situação muito complicada e eu voltei a estar em tensão, irritada, a falarmos em como se lida com uma situação assim, e a concluimos que é insustentável e que, de uma maneira ou outra, tem que haver um desfecho e não vai ser bom. Depois de ter desligado, desliguei também eu, cheguei, fui ao super, depois a correr preparar o jantar e nem mais me lembrei daquela complicação. E, agora que escrevo sobre ela, é como se estivesse a ficcionar, nas tintas para a situação real. E, quando amanhã estiver a trabalhar, nem me vou lembrar que tenho um blog, nem vou lembrar-me dos meus amores e desta conversa toda.

Até me acontece uma coisa: quando me irrito com qualquer coisa, não admito compassos de espera, tenho que reagir na hora porque já sei que se passa algum tempo, por pouco que seja, a irritação me vai passar e, inclusivamente, a coisa não tardará a cair no esquecimento.

Um psicólogo disse-me: Uma pessoa assim está sempre bem, nunca se sente derrotada por nada porque, em boa verdade, se intuir que vai ser derrotada, antes disso já se desinteressou pelo assunto, já está noutra, e o que seria uma derrota já vai ser uma coisa que lhe passa ao lado. Fiquei a pensar. É verdade.


Como ser como sou me torna a vida leve, gostava de ter a receita para partilhar convosco, tal como partilho a receita dos petiscos a la minute que faço. Mas não sei. Talvez apenas me falte sofisticação. Quando leio sobre amarguras alheias, amores falhos, ansiedades aniquilantes e outras tristezas, acho sempre que quem assim escreve possui um espírito elevado capaz de atingir notas emocionais que eu não atinjo já que a minha pauta é bem mais limitada. Parece que estou sempre na boa e isso, embora para mim seja bom, aos olhos das outras pessoas é capaz de parecer uma coisa deveras básica.

E pronto, é muito tarde e palpita-me que esta quinta-feira também vai ser daqueles dias valentes. Do dia guardo alegrias, muitas, afectos doces. Desenhos também. Num deles está um desenho muito colorido a meio. É uma mulher toda às cores, muitas cores, e parece que tem um cinto com uma grande fivela em preto e que tem as mãos a segurar a dita fivela. A autora do desenho diz-me: 'És tu, Tá, e, como gostas muito de tirar fotografias, estás com a tua máquina'. Ao pé está uma cabecinha toda despenteada e com um corpo com as pernas e os braços abertos a sair-lhe da cabeça mas para cima e não para baixo como é normal. Explicou-me: 'E esta sou eu, a fazer a roda'. E escreveu que gosta muito de mim. O mano mais novo também me trouxe um desenho. Foi franco: 'A mana ajudou. Foi ela que fez o desenho. Eu escrevi o meu nome'. A tia dos meninos disse aos filhos, num registo de ironia: 'Vêem? Os primos são prendados, trouxeram desenhos para a Tá. E vocês?'. Os dois pimentolas reguilas, altos que só visto, riram, encolheram os ombros: não são dados a esses primores. Lindos meninos, todos eles, meus amores mais doces, mais queridos. O meu coração sorri, pleno de doçura, quando estou com eles. Ou quando penso neles. Ou quando escrevo sobre eles.


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Como apenas cheguei à sala tarde e más horas e durante o dia estive debaixo de fogos de outra natureza, não faço ideia do que se passou no mundo. Por isso, hoje fico-me por aqui pois nada mais tenho a dizer. Pelo mesmo motivo, não consigo responder a três mails que recebi e aos quais quero mesmo responder. Durante o dia vou tentar fazê-lo. Senão, à noite. 

E, agora, ao apetecer-me ter aqui imagens da natureza, dei com imagens lindas e que prenunciam o desastre anunciado. Será que os luso-patacoeiros canais de televisão providenciaram comentários e debates sobre o tema...?

The Larsen C Ice Shelf Collapse Is Just the Beginning — Antarctica Is Melting


The massive iceberg that broke off the Larsen C Ice Shelf may be a harbinger of a continent-wide collapse that would swamp coastal cities around the world.



The Birth of an Iceberg


The chunk of ice that broke off the Larsen C Ice Shelf on July 12 is the size of Delaware and weighs around one trillion tons, making it one of the largest icebergs ever recorded. The detachment may hasten the collapse of the entire ice shelf.


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E apesar das más notícias sobre o degelo,
um dia feliz a todos que aí estão desse lado

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