segunda-feira, junho 12, 2017

Uma confissão muito pouco abonatória


Vou, então, contar uma coisa: aquilo de que no outro dia me lembrei
Se eu tivesse um consultor de imagem, antes de contar alguns feitos do meu passado, pedia parecer. Assim, conto tudo e paciência se alguém (alguém ou toda a gente) ficar a achar que não sou boa da cabeça ou que não sou de fiar.
Há um bom par de anos, numa outra vida, um dia de manhã, ao dirigir-me ao meu gabinete, vejo um ajuntamento num outro gabinete. Espreito a ver o que se passa e um colega diz-me: 'Vê tu bem ao que isto chegou. Então não é que roubaram o carro dela?'. Fico admirada. E mais ainda quando ele completa: 'Mas espera. Roubaram aqui do parque!'. Fico de boca aberta. 'Mas como...? Na recepção devem ter visto entrar alguém suspeito.'. Para se entrar para o parque passava-se ao lado da recepção de serviço. E ele: 'Não, imagina tu. Já estão a ser ouvidos. Dizem que não deram por nada'.

Estupefacta, acerquei-me dela. Rodeada pelos colegas, contava que tinha apresentado queixa na polícia e que, toda a santa noite, o marido e o cunhado tinham andado pelos lugares onde se suspeitava que houvesse ladroagem, oficinas suspeitas, marginalidade. Ela cheia de medo que eles por ali andassem mas o marido, não contando com a eficiência da polícia, resolveu apanhar o bandido com as próprias mãos. Margem norte,  margem sul, tudo o que eram bairros problemáticos tinham sido batidos. Mas, infelizmente - dizia ela - nada. 

Às tantas, antes de seguir para o meu gabinete, pergunto: 'E que carro é?'. Responde ela: 'É um Clio'.

E lá fui. Mas, ao chegar ao meu gabinete, salta-se-me uma faísca. Uma faísca fulminante. 'Caraças! Mas querem lá ver...'. Completamente aterrada perante a perspectiva, abro a carteira e tiro de lá um porta-chaves. A medo, faço o caminho de volta até ao gabinete dela e, da porta, mostro-lhe o porta-chaves. Ela, que estava de pé, senta-se e faz que sim com a cabeça.

Estupefacção geral. Ela: 'Mas como...? Como...?'. E todos: 'O quê?!!! É a chave do carro...? Mas como...?'

E, então, eu própria estupefacta, mal acreditando, conto.

E conto também aqui, agora.

O edifício é enorme (é -- no presente -- porque ainda lá está) mas o parque era acanhado para tanto carro. Directores e administradores tinham lugar marcado no piso mais próximo da entrada. O resto do parque era para quem nele arranjasse lugar. Aí era hábito as pessoas deixarem a chave na ignição para que quem quisesse tirar o carro e estivesse tapado, se metesse no carro dos outros e o chegasse para a frente ou para trás.

Na véspera o meu carro tinha ido para a revisão. Antes, a secretária que coordenava os motoristas e os carros das empresas tinha-me informado que só havia um carro disponível e que era um dos pequenos mas eu achei que me servia muito bem e que não valia a pena ela pedir-me um de substituição.

Nesse dia despachei-me tarde de uma reunião e já não falei com ela mas, ao regressar ao meu gabinete, ela tinha lá deixado um post-it a dizer "Renault 5 azul escuro, na parte de cima do parque" e, ao lado, um porta-chaves com a respectiva chave.

Já era lusco-fusco quando cheguei àquela zona do parque e, dado que estava praticamente vazio, dei logo com o carro. Meti-me nele e reparei que tinha a chave na ignição. Guardei a outra chave na carteira e lá fui.

Quando cheguei a casa, disse aos meus filhos, 'Vim num Renault 5. Uma maravilha. E arruma-se que é um mimo. Consegui estacioná-lo mesmo aqui à porta.'. O meu filho foi à janela e perguntou-me onde estava. Fui à janela e apontei. Diz ele: 'Aquele é um Clio' ao que eu, entendida, esclareci: 'Clio ou Renault 5 é a mesma coisa'.

De manhã, ao ir para o carro, pensei: 'Não é bem azul escuro, é mais um verde petróleo mas ok, se calhar para ela é azul'.

Para mim, até aqui, nada de suspeito. Só quando ela disse que era um Clio é que as campainhas de alarme tocaram.

Escuso de dizer que foi a gargalhada geral no mundo do trabalho. 

Nesse dia, entrou-me o presidente da empresa no gabinete: 'Já soube.... E, ouça, estou preocupado. Se isto se sabe é um problema. Capaz de dizerem 'se os directores roubam carros... que não farão os administradores...? Capaz de assaltarem bancos...'.


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E é isto. Uma das medalhas de bom comportamento que não posso renegar: já roubei um carro.


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E um dia conto outra: o dia em que pedi boleia e fui para casa num carro com gente completamente desconhecida, com o cavalheiro simpatiquíssimo a querer manter conversa comigo e a mulher, toda casmurra, sem abrir a boca. 

Ou o dia em que venho de um almoço com um colega e, ao irmos a entrar no carro dele, o vejo a dar um salto (e eu própria quase outro salto dou) ao ver que a mulher lá estava dentro. Acrescento que a mulher era doentiamente ciumenta, chegando, tempo antes, a telefonar-me para me perguntar onde estava o marido.

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