terça-feira, março 07, 2017

Marcelo Rebelo de Sousa e a estabilidade financeira que Carlos Costa lhe inspira.
A Ítaca de Cavafy lida por Sean Connery.
E a história do azul.
Com o Salvador Sobral e 'nem eu'




Não sei que imagem passo para quem me lê pois tenho a imagem de mim mesma enquanto escrevo -- e essa é a única que me chega. E, ainda assim, chega distorcida.

Hoje. Por exemplo.

Levantei-me muito cedo e, como sempre acontece quando madrugo, na véspera adormeci tarde demais, tive o sono leve e acordei antes da hora. Centenas de quilómetros, horas de reuniões, sem oportunidade para fechar os olhos, para descansar. Chegada a casa, cansada, pouco fiz, um jantar ligeiro. Um pouco mais tarde, aqui no sofá, incapaz de me manter acordada. Leio os comentários que os Leitores deixaram, espreito os mails, gosto de os ler, tenho vontade de lhes responder mas adormeço. Agora comecei a escrever a ver se me mantenho acordada.

Há pouco espreitei as notícias. Marcelo quer estabilidade financeira. Quem a não quer? Mas é difícil tê-la com um ceguinho tartamudo e taralhouco à frente do Banco de Portugal. Nada contra as instituições, genericamente falando. Mas uma pessoa inquieta-se quando sabe que o tesouro está à guarda de uma pessoa que não sente os ladrões a aproximarem-se, não dá por nada enquanto o roubam e, no fim de tudo, vem confessar que a culpa não foi dele, porque não deu por nada. Ora abóbora.



Marcelo quer estabilidade financeira. Também eu. Um colega meu, supostamente parafraseando Marques Mendes na SIC, diz que se critica o polícia ceguinho e permissivo mas não se critica o ladrão manganão. Engano. Ricardo Salgado está a braços com a justiça, com bens arrestados, a vida virada do avesso. A justiça dirá o que se segue (e, sabendo o que é a justiça em Portugal, o mais certo é que tenha calvário até ao fim dos seus dias, provavelmente antes que se apure um juízo final). Mas depois do BES já o Banif foi também ao ar. E com Carlos Costa à frente do BdP já todos sabemos que é o que se quiser. Portanto, se Marcelo quer estabilidade financeira, espero bem que em vez de aquilo com Carlos Costa ter sido uma conversa inclusiva, tenha sido uma airosa conversa de chega para lá. É que duvido que Marcelo embarque -- parvo ele não é. Aquilo lá em Belém, cá para mim, foi mais uma de, enquanto noblesse oblige, "estabilidade" e "instituições", bla, bla bla, olhe lá, meu amigo, não quer ir gozar a vida enquanto tem saúde?


E não me apetece dizer mais nada sobre isto. Aos anos que ando a dizer que aquele lá é uma coisa de faz de conta. Regulador? Está bem, está. Só contaram para o Passos Coelho.


E sigo. Ensonada, percorro as notícias e pouco mais mobiliza a minha atenção. Talvez o Salvador. Não vi o Festival da Canção mas gosto muito do Salvador. No verão vi o concerto dele no EDP Cool Jazz e foi muito bom. Um menino talentoso. Vou agora ouvir a canção com que ganhou, o 'Amar pelos dois'.


E, aqui chegada, talvez fizesse sentido dizer mais qualquer coisa sobre a actualidade; mas não consigo interessar-me. Só me apetece ver ou ouvir coisas que não têm nada a ver. Coisas fora do tempo.

Para ajudar à festa, pensei que deveria aqui colocar algumas das fotografias que fiz no domingo. E, ao escolher, também me apeteceu optar por aquelas que não têm a ver com o texto nem, a bem dizer, com nada. Montras com reflexos, graffitis, uma pintura na porta de uma loja, uma nossa senhora. Também podiam ser fotografias do céu com a elegante caligrafia das linhas eléctricas que alimentam os elétricos. Mas fica para outra vez.


Mas, com isto, não sei que ideia passo para vocês que aí me lêem. Desconcentrada? Desordeira? A mim, volta e meia, aconselham-me : 'Tem que ter algum cuidado. Podem dizê-la desalinhada'. Muito bem. Gosto disso, desalinhada. Mas era bom que objectivassem: desalinhada em relação a quê? A uma linha torta?

Mas, enfim, isso agora não interessa para nada. A verdade é que, de facto, não consigo manter-me alinhada em relação a alguma pretensa imagem (e a qual? alguém me diz?) pois, aqui, nada me obriga a nada. Escrevo ou divulgo apenas o que me dá na bolha -- e o que me influencia no momento em que aqui escrevo é apenas a minha vontade, a minha disposição, o meu estado de espírito ou o facto de estar ou não acordada.

Portanto, com vossa licença, permitam que me esteja nas tintas. E isto das 'tintas' não é metáfora: é literal.

Mas, antes, uma pausa. Deixem que me fique aqui, durante um bocado, com a Ítaca de Cavafy. Quem a lê é Sean Connery. Desta vez não é Tom O'Bedlam que me leva na conversa: é a voz meio enrolada de Sean Connery que me faz sentir transportada para bem longe daqui.


(...)
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

(Tradução de Jorge de Sena)


E agora, com vossa licença. uma coisa ainda mais descontextualizada: a história do azul. Ainda no outro dia estive a pintar uma grande tela e usei vários tipos de azul. Pode parecer que azul é azul.
O azul é o azul é o azul é o azul é o azul é o azul.
Nada mais errado. Cada azul tem sua personalidade. Consoante o que tenho em mente, vou experimentando. Misturando, arriscando. O azul é um fascínio. Outras cores também. Melhor: todas as outras cores também. Mas o azul. O rio, o mar, o céu, o meu corpo por dentro quando me evado de mim.

Como se faz o azul em que me movo.
Ou melhor: o azul em que me movia antes de eu ser esta que sou hoje,
quando vivia nos tempos em que a alquimia inventava pós mágicos, cores misteriosas.





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E pode ser que ainda cá volte. Agora que parece que estou a acordar, ocorre-me partilhar convosco uma descoberta que fiz a propósito de mim. Coisa hot.

Ou fica para mais logo que a coisa presta-se a aprofundamento, não pode ser sumariamente despachada antes de recolher aos meus aposentos.

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1 comentário:

Olinda Melo disse...


:))

Como sempre interessante nos seus escritos, na transmissão da sua forma de estar
e de ser.Adorei ler aquilo do azul, o azul que era dantes ou que poderá vir a ser, o que
não a preocupa nem um pouco, penso eu.

Bj

Olinda