terça-feira, fevereiro 21, 2017

Coisas da mente



As questões mentais sempre despertaram a minha curiosidade. Quis ser psiquiatra. Contudo, saber que primeiro tinha que ser médica e que, para ser médica, primeiro tinha que ter aulas de anatomia e ver mortos, dissuadiu-me.


Depois pensei ser psicóloga. Mas, na altura, o curso não era bem superior, tenho essa ideia, ou então era dado no mesmo sítio onde se leccionavam cursos de tradução ou secretariado ou coisa do género e temi que a matéria tivesse pouco de científico. Nada contra a profissão de Tradutor ou Secretário/a mas isso (ou coisas afins) não era bem o que eu queria.

Portanto, fiz a agulha e, completamente à maluca, escolhi o pior curso à superfície da terra o que, diga-se em abono da verdade, não atesta nada de bom acerca da minhsa sanidade mental. 

Mas isto das questões mentais manteve-se sempre como uma área de grande motivação. Gosto de perceber as pancadas alheias. As minhas não. 

Um colega meu tinha um filho esquizofrénico. Digo que tinha porque acredito que esse meu colega já tenha morrido e portanto o verbo no passado é mais para ele do que para o filho. A questão é que aquele filho era um tormento na vida dele. O meu colega devia medir quase dois metros e devia pesar para aí uns 150 kg. Não que fosse gordo, gordo. Era, isso sim, corpulento. Dizia que o filho era do género. O rapaz que, por fim, já era adulto feito, quando lhe dava a veneta, partia a casa toda, batia na mãe, virava uma fera desencabrestada. Um horror. Quando estava bem, a mãe tinha pena de o internar. Aliás, alimentavam a esperança de conseguir curá-lo. Não queriam ver-se livres do filho.  E aquele homem, que mais parecia um grande urso, ficava quase em lágrimas quando falava daquele filho que era tão inteligente mas que, volta e meia, virava um demónio. Uma vez, chegou particularmente abalado. O filho tinha arranjado um problema com o senhor do quiosque lá da rua: tinha virado tudo de pantanas, partido tudo, agredido o senhor. Ele tinha um desgosto enorme. Dizia que, quando estava em casa, agarrava-o, impedia-o de fazer avarias mas que, durante o dia, não conseguia impedi-lo de fazer coisas daquelas. 

Tive também um colega que tinha uma filha com um atraso mental. Dizia que a filha era muito bonita e eu vi a fotografia dela e era mesmo bonita. E ele tinha uma preocupação enorme pois ela, indo na rua, ninguém diria. Era apenas uma jovem mulher atraente -- e, no entanto, jamais poderia defender-se do que quer que fosse. Ele receava o que lhe pudesse vir a acontecer um dia que ele e a mulher lhe faltassem. A esperança dele era que o filho assegurasse sempre o cuidado da irmã. Pouco depois morreu-lhe a mulher e, não muito depois, foi-se ele. Não faço ideia do que aconteceu à filha. Soube que o filho é professor na Católica, uma pessoa que no outro dia me disseram ser pessoa muito capaz, muito interessante. Vi a fotografia dele e é parecido com o pai. Tomara que tenha o sentido de humor do pai. Tanto que me ri com as coisas dele.

Com autismo, lembro-me de uma prima do meu pai. Nunca falava. Sorria. Balouçava-se na cadeira. Mas era muito trabalhadora e parecia perceber tudo. Sempre pensei que ela não sabia falar. Quando ficou mulher mais velha, apareceu-lhe cancro na mama. Outros tempos. Cancro era sentença de morte. Veio de longe para o IPO. A minha mãe ia vê-la e diz que ela conversava. Eu ficava admiradíssima, receava que a minha mãe, com a pena que tinha dela, lhe desse para imaginar coisas. A minha mãe vinha de lá sempre triste, a dizer 'coitadinha' -- e garantia que conversava com ela.

Pessoas com depressões tenho conhecido algumas de várias idades, condições socias e de ambos os sexos. É coisa terrível. As pessoas parece que ficam enfiadas num poço escuro. Assusta um bocado lidar com pessoas com depressão pois parece que não conseguimos dissuadi-las de estarem com tanta tristeza ou tanta preocupação.

Psicopatas acho que conheço vários, sobretudo na política. Também conheço um a nível profissional. É muito mau lidar com psicopatas.

Depois há as mentes perturbadas, gente com pancadas, com uma visão distorcida do mundo, paranóicos, narcisistas, megalómanos, etc. Se as pessoas têm noção das pancadas que têm, devem sentir pena ou preocupação por não conseguirem ter uma vida afectiva ou social normal. Admito que uns procurem ajuda clínica mas muitos não devem reconhecer que têm uma doença pelo que nem devem procurar tratamento.

Não deve ser fácil, nem para os próprios nem para os que os amam. 

Não é tema agradável para se falar aqui a esta hora. Lembrei-me disto ao ver um vídeo que, apesar de ser meramente gráfico, me fez bastante impressão, especialmente por achar que deve retratar bem os diferentes problemas.

Archiatric


Ideia e conceptualização : Federico Babina
Composição musical : Elisabet Raspall


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As fotografias usadas ao longo do texto (excepto a primeira que é minha) provêm do projecto Define.

Lá em cima, Yo-Yo Ma e Kathryn Stott interpretam The Swan de Saint-Saëns

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