terça-feira, outubro 27, 2015

José Sócrates, Luaty Beirão [A propósito da náusea demonstrada por Daniel Oliveira no Eixo do Mal e da censura do Embaixador Seixas da Costa no seu blog Duas ou Três Coisas]






Hoje, enquanto ia no carro à hora de almoço, ouvi Isabel do Carmo a falar da sua experiência de greve de fome. Em tempos, cumpriu 30 dias. Luaty Beirão já cumpriu 36 e, ao que hoje ouvi, começa a aproximar-se do ponto de não retorno. Explicou Isabel do Carmo que o corpo começa a formar açúcar a partir das gorduras dos próprios músculos mas que o cérebro, sendo um órgão bem preservado nestas situações limites, se mantém bem, lúcido. O soro mantém alguma hidratação mas, mesmo transportando alguns sais, não é suficiente, há um ponto em que os órgãos entram em falência. Contou que, a cada momento, a pessoa em greve se interroga sobre se 'eles' vão ceder, sobre se 'eles' a irão deixar morrer. Dizia ela que nenhum poder quer ficar com um morto na consciência pelo que é normal que acabem por ceder. 

Mas com Angola não se sabe e, além disso, há o drama da longa duração com que já vai o jejum de Luaty.

É admirável a coragem deste jovem que, tendo uma mulher que tanto o ama e uma filha pequena de que tanto lhe custa estar longe, coloca a sua vida em risco em luta contra um regime ditatorial que atenta tão grosseiramente contra os mais elementares direitos humanos, que atenta tão despudoradamente contra a liberdade de opinião dos seus concidadãos.

Faço votos que aquela gente de Angola perceba que se diminui aos olhos do mundo com actos prepotentes como o da prisão de Luaty e de todos os outros que, por motivos idênticos, se vêem privados da sua liberdade. Por vários motivos, Angola está a atravessar um mau momento e a última coisa que deveria querer era ser vista como um país atrasado, perecendo às mãos de um regime de tiranos.


O caso de Luaty Beirão não é igual ao de José Sócrates, claro que não. Luaty foi preso porque foi apanhado a ler um livro suspeito e porque era sabido que lutava (com a força das suas palavras) contra os métodos ditatoriais do governo angolano.


José Sócrates foi privado da sua liberdade por outros motivos - mas eu não os conheço pelo que não posso pronunciar-me sobre eles. Até há meia dúzia de dias José Sócrates também não os conhecia. 

O Correio da Manhã, a revista Sábado, o Jornal i e o Expresso, entre outros, enquanto o processo estava em segredo de justiça, iam, contudo, divulgando os motivos: que os investigadores achavam que o dinheiro do amigo era de Sócrates, que as casas do amigo eram de Sócrates, que a casa da ex-mulher de Sócrates era de Sócrates, que Sócrates tinha favorecido negócios em Angola, que não, que a coisa se tinha passado na Venezuela, que não, que afinal era em Vale de Lobo, que não, que era coisa da farmacêutica, que não, era coisa do Grupo Lena, que não, que era coisa com os direitos de transmissão de desafios de futebol - etc, etc, etc.

E, pasme-se, tudo isto se teria passado enquanto Sócrates era primeiro-ministro, trabalhando, como era sabido, de sol a sol, sempre com reuniões de trabalho, e enquanto a sua vida era passada a pente fino nomeadamente a propósito do outlet de Alcochete.


Como já o disse mil vezes, não faço a mínima ideia do que se passa ou passou na vida privada de Sócrates e pode ser que daqui por algum tempo passe a andar de queixo caído, de espanto, por se descobrir que afinal Sócrates tem uma gruta cheia de arcas transbordantes de jóias e pedras preciosas, que é dono de cem prédios nas avenidas mais caras de Lisboa, duzentos apartamentos em Paris, quinhentos flats em Nova Iorque, que tem, acostados na Riviera Francesa, seis veleiros e vinte iates, que aí num aeródromo qualquer tem uma dúzia de jactinhos e duas dúzias de helicópteros, que tem um armazém cheio de Ferraris, Bentleys, Porsches, Carochas de colecção e Bicos de Pato amarelos, e que, não contente com isso, para cúmulo, ainda tem 50 espanholas, 60 moldavas e 80 brasileiras por conta. Pode acontecer. Pode também acontecer que afinal haja outro, um gémeo que, com o seu acordo, se faz passar por ele para praticar toda a espécie de ilícitos. Tudo é possível. 
Nessa altura - e estando tudo isso provado e comprovado e que não restem aos tribunais dúvidas de que, apesar de tanta indecorosa riqueza, pagava IRS apenas sobre o salário mínimo e que todo o dinheiro que possuía tinha sido obtido por esticão, rebentamento de caixas multibanco, assalto a velhinhas ou suborno de construtores civis ou de agentes de futebolistas - então, aqui estarei para dizer que o filho da mãe me enganou bem enganada e, nem que fosse só por isso, devia ia pagar as favas bem pagas em Évora ou no Cu de Judas. 
Mas, volto a dizer, acharei bem que sofra as consequências se for julgado e condenado. 
Até lá, ele e todos os que não forem julgados e condenados, são inocentes. 
Claro que, não sendo eu uma santinha, até poderia franzir o nariz e pôr-me a querer fazer eu justiça pelas minhas próprias mãos (isto é, por exemplo, condenando-o aqui) se conhecesse a acusação e os indícios fossem tantos, tantos, tantos, e tão aparentemente irrefutáveis que, à luz da minha omnisciência, me parecesse que nem valia a pena julgá-lo, que se poderia fazer um short cut e passar já para a fase da guilhotina. Mas nem isso.

De resto e até prova em contrário, Luaty Beirão em Angola ou, cá em Portugal, José Sócrates, o Daniel Oliveira, o Luís Pedro Nunes, o Embaixador Seixas da Costa, a minha mãe ou você, meu Caro Leitor, são, aos meus olhos e perante a justiça, inocentes, digam lá o que disserem deles e de si. Bem podem o Correio da Manhã, a Felícia Cabrita, o João Miguel Tavares, amantes despeitadas, vizinhas invejosas, primas rancorosas, jornalistas ressabiados, meia dúzia de bloggers e uma dúzia de comentadores ou quem quer que seja dizer coisas ou insinuar 'cenas' que eu continuarei a achar que são inocentes. E, sendo inocentes, como inocentes devem ser tratados.



E vou criticar qualquer sistema judicial por prender durante quase um ano uma pessoa sem que se sinta na obrigação de lhe dizer porque o prendeu tal como vou criticar um outro sistema que prenda uma outra pessoa porque suspeita que essa pessoa quer derrubar um regime apresentando como índícios as palavras que profere ou o que lê. São faces distintas da mesma iniquidade, da mesma prepotência, da mesma injustiça. Condenáveis, de qualquer maneira.
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Lá em cima Zeca Afonso canta Alípio de Freitas. 
As imagens mostram trabalhos em gesso de Rachel Dein.

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Muito gostaria que visitassem o meu outro blog, o Ginjal e Lisboa, onde hoje vou pela mão de Mia Couto ao som de Dvořák

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Mais logo conto-vos quem vai ser quem no governo de Passos Coelho: tenho sabido de uns nomes que são de deixar qualquer um de boca aberta. Mal tenha tempo, já aqui vos digo.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.

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6 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez, estou inteiramente de acordo consigo.

Cumprimentos.

Maria Luísa

Francisco Seixas da Costa disse...

Acho que não leu bem o que eu escrevi. Em particular, não parece ter lido, de todo, a primeira parte do meu texto. Mas não tenho uma visão a-preto-e-branco como aquela que assume. E, em especial, não critico o PS por ter a posição que tem tido.

Um Jeito Manso disse...

Bom dia, Embaixador,

Li, sim senhor.

Introduz no texto algumas reservas sobre o que lhe parece ser a morosidade no aparecimento da acusação e até a justificação para que Sócrates manifeste publicamente a sua revolta.

Mas, feita essa introdução, passa para a compreensão para o que parece ser uma atitude prudente de parte do PS (quando uma coisa é jurar a inocência de Sócrates e outra é criticar os métodos que a justiça tem usado - pelo que essa prudência a mim mais me parece eivada de cobardia) e conclui que, pelo sim, pelo não, porque se calhar o homem é mesmo corrupto (porque, se não é, é quase como se fosse já que o Rosário Teixeira e o Carlos Alexandre não iam - uma vez mais! - enganar-se tão redondamente), é melhor que não fale em Luaty.

Por isso, lamento, Embaixador, mas não gostei que se deixasse levar na onda dos diz-que-diz-que alimentados pelo Correio da Manhã e se tivesse referido a Sócrates como alguém que já não deve ser visto como inocente. Pode ser que um dia os tribunais provem que o não é mas, até que esse dia chegue, ele é inocente.

Desejo-lhe um bom dia, Embaixador!



Claudia Sousa Dias disse...

Eu não diria "faces distintas da mesma iniquidade" mas sim NÌVeis distintos da mesma iniquidade.

Aos dois coloco-os em patamares diferentes. Sócrates poderá ser inocente, Luaty é-o sem dúvida. E arriscou a vida por aqueles que estão na mesma situação. E pela Liberdade. E pela Democracia. Sócrates, não. Apesar de vítima também de um sistema judicial que têm laivos de regimes pouco democráticos. Essa é a diferença.

jose neves disse...

Cara de "um jeito manso", claro que os moderados ou ponderados do sim, sim, mas...
embora mais subtis de argumentos no fundo, vão no engodo do correio da manha.
Sobre o rol de maldades em que Sócrates gastou a vida e o leva todos os dias ao pódio da corrupção na escala de valores à moda do cm apesar, de trabalhar de sol a sol diariamente como PM e até em noitadas com passos coelho (que este negou) e, sobretudo na Europa de Bruxelas, ainda não foi divulgada a grande bomba do corrupto infatigável maior que Hércules.
E é esta; Sócrates, o Diabo, corrompeu a Angela, a Merkel, para obter o seu acordo e aval acerca do PECIV.
Agora, que os fornos crematórios já estão legalizados no país, ao rosário e ao alexandre basta assinar o despacho.

M.G.P.MENDES disse...

Só para lhe dizer que CONCORDO ABSOLUTAMENTE COM A RESPOSTA QUE DEU AO SR. EMBAIXADOR! Aqui entre nós ele gosta de estar sentado em vária scadeiras - embora o assento do lado esquerdo esteja um pouquinho mais ocupado do que o assento do lado direito....Você "tá vendo"?...