sexta-feira, agosto 29, 2014

Por quem os lobos uivam. Uma história muito estranha. [Ou, talvez, mais um conto erótico numa quente noite de verão]


No post a seguir falo em Judite de Sousa que está de regresso à televisão e que reapareceu pela mão de um jovem de 29 anos, um menino de sua mãe: Cristiano Ronaldo.

Mais abaixo ainda falo também na entrevista que António Costa concedeu a Fátima Campos Ferreira, uma entrevista que ficou bem aquém da personalidade e carisma do candidato à liderança do PS.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é completamente diferente.


Cuidado. Cuidado que eles andam aí.



Cry Wolf

(o som não muito alto, por favor)





Há pouco já o referi. Estive em paz durante o dia, entregue ao prazer de nada fazer, a pele à disposição da doçura do sol que me chega coado através da ramagem fresca da grande figueira. Li, preguicei, estive de olhos fechados a ouvir os pássaros, a aragem nas ramagens, os sons amáveis desta natureza que aqui me acolhe.

Ao fim do dia, a luz fica dourada e há um calor macio que prenuncia o outono. Gosto do tempo assim, apazigua-me, há suavidade no ar e é esse ar suave que eu respiro e que se espalha sobre a minha pele. Posso estar nua para melhor sentir esta doçura pois aqui ninguém passa, a rua fica longe, 

Depois fui a casa buscar um sumo e deixei o livro em cima da espreguiçadeira. Quando cheguei, escurecia, o sol tinha entrado na montanha que me cerca. Não vi o livro. Estranhei. Depois ouvi um som, assustei-me, instintivamente peguei no vestido e encostei-o ao corpo. Reparei então que o livro estava no chão. Intrigada, olhei em volta. Atrás de um tronco, o gato espreitava-me. Ah, o safado do gato. Já nem me lembrava dele, ultimamente não tem aparecido.

Chamei-o, Bchbchbch... Ele arqueou o corpo. Perguntei-lhe, Olha lá, foste tu que vieste aqui deitar o livro ao chão, não? Ele inclinou a cabeça. Não disfarces, gato atrevido, sei que foste. Estou para saber é há quanto tempo estavas aí a espreitar-me, ó gato descarado.

Peguei num figo seco e atirei-lhe. Fugiu. Espreitei. Claro, estava em cima do muro, o muro que separa a paz da minha casa da misteriosa casa onde acontecem as coisas mais inesperadas.

Disse-lhe, Olha, hoje não vou, não me quero meter em aventuras arriscadas. Ele miou longamente. Depois saltou para o lado de lá.

Tinha anoitecido. Enfiei o vestido, enfiei umas sapatilhas e subi à árvore junto ao muro. O gato espreitava-me como se me esperasse. Olha lá, está para lá aquela gente bizarra dos outros dias? Não me quero meter em cenas estranhas, ouviste?

Não me respondeu mas olhou-me com ar desafiador. Hesitei mas depois respirei fundo e saltei. Esta minha maneira de ser, por um lado tão bem comportada e cautelosa e, por outro, tão temerária, com tanto apetite por situações de risco.

Pé ante pé lá fui. As luzes apagadas, tudo escuro. Senti uma ponta de desapontamento mas, logo depois, senti um certo alívio. Nada de mistérios e sustos, desta vez. Sentei-me naquela cadeira onde no outro dia tinha visto a mulher secreta a ser penteada por outra. Deixei-me ficar ali, olhando o muro atrás do qual está a minha casa. Pensei se quem costuma vir a esta casa sabe que do lado de lá vive uma mulher arisca que gosta de se deitar nua ao sol. Olhei em volta, o céu estrelado, a noite quente, os sons dos pássaros da noite, o rastejar de animais entre o mato. Sentia algum receio, aquele receio que me deixa alerta, quase paralisada. O gato veio deitar-se no chão perto de mim e isso sossegou-me, senti que me protegia.

Depois devo ter adormecido. 

Quando acordei ouvi sons estranhos. Saltei da cadeira. O gato tinha desaparecido. Olhei em volta, assustada. De dentro da casa vinha agora luz, uivos abafados. Um arrepio percorreu a minha pele. Ai...

Pensei que devia voltar para casa. Quando comecei a ver se tinha luz suficiente para encontrar o caminho, o coração num sobressalto, vi o gato à porta de casa. Parecia chamar-me.

Estive uns segundos a hesitar mas depois, sem pensar, segui-o. Pareciam uivos o que vinha lá de dentro. Comecei a ficar aterrada mas, quanto mais medo tinha, mais vontade tinha de saber o que se passava.

O gato ia avançando à minha frente, arqueado, alterado, percebi que ia assanhado. Pensei que algo se passava e que tomara que o gato não se virasse a mim.

Então, à medida que, pé ante pé, me aproximava do sítio de onde vinha a luz, os uivos iam sendo mais nítidos. O gato parou e eu ouvi o seu arfar assustador, parecia pronto a saltar. Fiz-lhe um sinal, para que ficasse ali.

Avancei sozinha. Nunca tinha estado naquela ala da casa.


Pela frincha da porta espreitei. 




Numa cama, uma rapariga, cabelos espalhados pela almofada, descansava abraçada ao que me pareceu ser um lobo. Estavam tranquilos. ela parecia olhar um ponto indistinto e o lobo aninhava-se docemente nos seus braços.

Que visão mais estranha.

Mas os uivos continuavam.

Espreitei por outra porta. Depois desviei o olhar. Não percebi mas também não quis perceber.




Era uma mulher quase igual à outra, mas coberta por um casaco de peles, casaco que parecia ter aberto, deixando exposto o belo corpo nu. O grande cão gania, parecia faminto. A mulher olhava-o e não se percebia se era medo, se era neutra aceitação ou se era, mesmo, provocação.

Assustada, o coração numa inquietação, que coisas tão estranhas se passavam sempre nesta casa, dei meia volta, pensei que tinha que sair dali o mais rapidamente possível. Um ambiente de perversão parecia materializar-se nestes estranhos casais. Não queria testemunhar aquilo.

Mas então ouvi um som. Parei. Tu!, ouvi mas era apenas um sussurro. Não fui capaz de me mexer. Tu, sim!, um sussurro de novo

Espreitei.




Não percebi se era um rapaz, se era uma rapariga. O corpo envolto em peles, um quase lobo, olhos claros, lábios desenhados. Olhava-me e não se percebia se era um olhar inocente, se era a pura encarnação do pecado. Quando viu que eu estava a olhar, começou a afastar devagar as peles. Era um jovem quase imberbe, imponente na sua virilidade. Fugi impressionada, cheia de medo.

Mas então, à minha frente, apareceu-me um outro. Quase nu, as calças descaídas, meio coberto por peles. Olhava-me com olhar fixo. Depois uivou.




Um arrepio de medo e não só percorreu todo o meu corpo. Começou lentamente a empurrar as calças para baixo. Depois segurou gentilmente a minha mão. Não sei se estava aterrorizada, se estava mortificada de desejo. Uivou baixinho junto ao meu ouvido. Toda eu estremeci. Despiu-me e eu deixei que me despisse. Não quis saber quem era, se era um lobo de verdade, se era alguém que me mentia, que fingia ser um lobo sedutor numa quente noite de verão. Não quis saber.




Olhei em volta com medo que o gato aparecesse e nos atacasse, mas não o vi. Do outro lado do corredor, vinha agora um uivo que era mais um estertor, o som de la petite mort.

O meu lobo, agora nu, apenas coberto de peles, abraçou-me e eu senti o seu corpo jovem e viril e ele beijou-me e a sua boca sabia a bagas silvestres e eu deixei que ele me beijasse e abraçasse e afagasse. Depois deitou-me e deitou-se ao meu lado e afagou o meu cabelo e beijou-me mais e as suas mãos de jovem fauno percorreram o meu corpo. De vez em quando ele uivava baixinho junto ao meu ouvido, depois pediu que eu uivasse também e eu uivei mas o uivo saíu-me rouco e ele beijou-me com mais força e eu senti-me bem, senti-me bem até ao fim, muito bem. 

A seguir, quando me levantei e disse que tinha que me ir embora, ele separou-se da sua pele e cobriu-me com ela. Depois vestiu-me as suas calças, Depois foi buscar um pano preto e passou-o em volta do meu pescoço.




E disse-me, Fico aqui à tua espera. Vai e volta, traz-me a minha pele que agora é a tua pele, traz-me o teu corpo, o teu olhar, vem que quero ensinar-te a uivar. E beijou-me uma vez mais.

Não sei quem ele é, não quero saber se me mente, se me faz promessas que não vai cumprir, não sei se vou voltar a vê-lo. Não sei se os seus uivos sussurrados no meu ouvido são verdadeiros ou se são puro descaramento. Não quero saber. E, se me está a mentir, pois que minta, que minta para eu me sentir ainda mais livre.


Quando saí, o gato estava à porta. Dormia. Tentei acordá-lo. Ignorou-me. Assustei-me, temi que não estivesse vivo, bati-lhe ao de leve com o pé. Arfou, ameaçador, e voltou a enroscar-se sem me olhar.

Atravessei o caminho que levava até ao muro, a luz das estrelas quase me deixava ver ou talvez estivesse já a raiar o dia. A boca sabia-me e ainda me sabe a amoras.

E aqui estou para vos contar como esta noite dancei com lobos e como me estou a preparar para aprender a uivar.

Uhuuuu, uhuuuuu.......

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Para os mais sisudos, que não apreciam estas minhas derivas nocturnas e tresloucadas, aqui vos deixo um filme maravilhoso. Mete lobos mas não mete maluquice. 


Como os lobos mudam os rios






[When wolves were reintroduced to Yellowstone National Park in the United States after being absent nearly 70 years, the most remarkable "trophic cascade" occurred. What is a trophic cascade and how exactly do wolves change rivers? George Monbiot explains in this movie remix.]


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A música lá em cima é Melody Gardot interpretando Cry Wolf


A rapariga com lobos é Lara Stone fotografada por Mario Sorrenti.

O primeiro rapaz-lobo é David Fair fotografado por Milan Vukmirovic. O segundo, o eleito, não sei quem é mas sei que foi fotografado por Mario Testino.

As duas últimas fotografias mostram Kate Moss fotografada por Patrick Demarchelier

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Relembro: se continuarem por aí abaixo encontrarão referência a duas entrevistas: em primeiro lugar o regresso de Judite de Sousa depois do seu período de luto, entrevistando Cristiano Ronaldo; depois a morna entrevista de Fátima Campos Ferreira a António Costa.


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E, assim sendo, por agora por aqui me fico.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira. 
E cuidado com os lobos. 
(....Uhuhuuuuuu.... uhuhuuuuu....)


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1 comentário:

Anónimo disse...

A importância das espécies animais no ecossistema é absolutamente extraordinária! Este exemplo dos lobos do Yellow Stone é um caso paradigmático.
Em Portugal, já se está a fazer um trabalho interessante, com muita dedicação e empenho, na protecção do lobo e sua reintrodução em áreas em que desapareceram, ou quase. Quando era criança, na Serra da Estrela e na região onde temos casa, na Beira-Alta, ouvimos algumas vezes casos de ataques de lobos ás ovelhas.
Mas, mesmo espécies domesticadas, como as cabras e as ovelhas, cujos rebanhos eram mais numerosos e vulgares por ali, decaíram muito em número e, sobretudo, deixaram de fazer com a regularidade, que nesse tempo era habitual, no início do Verão, fim da Primavera por vezes, os percursos das aldeias várias até à Serra e por ali, regressando depois, no Outono, o que tinha efeitos nas florestas e campos por onde passavam, visto limparem e desimpedirem o mato, o que contribuía para, por exemplo, evitar a propagação de eventuais fogos.
Quando hoje andamos por aqueles campos fora, como eu e familiares fazemos, notamos uma concentração muito maior de vegetação densa, silvedos, mata diversa, plantas e ervas daninhas, etc, que permitem a tal propagação de incêndios e o empobrecimento dos solos. Por outro lado, o javali, que naqueles anos mais recuados era uma espécie animal com uma reprodução mais reduzida, hoje expandiu-se, com prejuízo das culturas e até das cercas dos terrenos. No nosso caso, todos os anos temos de mandar arranjar as cercas (já que mandar fazer muros em pedra ou tijolo dá trabalho e custa dinheiro), pois os javalis invadem as propriedades durante a noite, provocando prejuízos.
Na Serra da Estrela, ao fim da tarde, ou em dias mais nublados, ou em zonas com mais vegetação e sem ninguém por perto, eles deambulam por ali, por vezes, sem receio, havendo que ter cuidado, sobretudo em passeios a pé (como já temos feito). Ora, se o lobo voltar a essas paisagens que dantes habitavam, eram um travão útil à expansão do javali, com todas as vantagens para os solos e cultivos.
Aqui há tempos vi um programa, creio que na BBC Wildlife, sobre uma situação parecida, mas na Índia, com a reintrodução do tigre em determinados parques naturais, com excelentes resultados, pois levaram á queda da natalidade de certas espécies herbívoras e fizeram-nas deixar de frequentar com a regularidade anterior, certas zonas desses parques que assim regeneram os seus solos outra vez.
A Natureza, sendo complexa, tem um equilíbrio que é muito importante preservar, entre as espécies animais e vegetais. Sempre que há uma intromissão abusiva e errada do homem, esse equilíbrio pode ter consequências desastrosas.
Esse Documentário dos lobos é simplesmente notável!
P.Rufino