terça-feira, julho 29, 2014

Uma história muito estranha


No post abaixo já mostrei uma produção caseira de moda a la Chanel com os meus achats nos saldos (pode ler-se achados que também se lerá bem).

Penso, sinceramente, que não preciso de mais roupa. Mas isto, senhores, não é uma questão de precisão, isto é mesmo uma questão de vaidade feminina. E é um outro disparate ainda mais grave: é aquela sensação absurda de que estou a fazer um grande negócio, a poupar imenso dinheiro (please, poupem-me... sei bem que não estou a poupar coisa nenhuma, que estou é a gastar... mas, volta e meia, não quero disfarçar que não sou uma loura burra, e esta, quando vou ver o que há nos saldos a fazer de conta que vou poupar dinheiro, é uma delas). Note-se que, estando perfeitamente ciente que devia era não comprar qualquer peça de roupa nos próximos 10 anos, apenas frequento lojas onde sei que posso comprar pechinchas. Já ninguém me apanha em lojas caras. E só não vou à Primark porque fui lá um dia espreitar e até me assustei. Uma coisa claustrofóbica: gente e roupa por todo o lado, uma pessoa mal consegue respirar, quanto mas escolher como deve ser.

Bem.

E, por contraponto, também lá mostrei Chanel à séria

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Ainda não sei qual é mas no fim logo se vê.


Música, se faz favor: Für Alina.





Por vezes, quando lá estou, ouço um vago ruído, como se alguém falasse em surdina. Espreito pela abertura do velho muro que há ao fim do pátio. Vou até lá, pé ante pé, cheia de medo. Receio sempre que, ao encostar a meu rosto, encontre do lado de lá um olho assustador, alguém a espreitar também para o lado de cá. Ou uma boca aberta, terrível.

Mas esses receios revelam-se sempre pueris. Geralmente não há nada. Um terreno baldio, o que em tempos terá sido um jardim, agora um matagal. Mal se vê a porta da casa. Chega-se a essa porta alta e com a tinta caída por uns degraus cheios de folhas secas, vasos partidos, ramos secos. Em tempos terá sido uma varanda, agora não se sabe o que há ali. Se calha ouvir-se algum som, o meu coração dispara, descompassado, mas logo se percebe que será um qualquer bicho perdido.

Não sei a quem pertence aquela casa que mal consigo perceber como é. Da rua não se vê, está mais para dentro e deve estar rodeada pelo arvoredo denso que se vê de longe. Pergunto, por vezes, a quem por lá passa, o carteiro, a mulher da carrinha do pão. Não sabem. Nunca lá viram ninguém. Ouviram dizer que os donos a abandonaram mas, ao certo, ninguém sabe.

No outro dia, fui até ao portão, vi se estava aberto. Não estava. Espreitei. Nada. Mato e desolação. Afastei-me com um certo receio. Mas, enquanto me afastava em silêncio, ia pensando que não fazia sentido ter medo. Não passa ninguém por ali, a estrada está sempre deserta excepto quando passa a carrinha do pão, de manhã, a apitar, ou o carteiro duas vezes por semana. De resto, nunca há ninguém.

Quando me sento à sombra a ler um livro, sento-me de costas para o buraco do muro que separa a minha quinta da quinta abandonada. Tenho medo que alguém me vigie do outro lado.

Desde há algum tempo e de vez em quando, geralmente quando a penumbra do fim do dia começa a encher de sombras o espaço que me rodeia, há um gato que salta do muro e vem ter comigo.

Ao princípio vinha a medo, espreitava-me, estudava-me. Eu ficava transida de medo como se o gato não fosse um gato mas um qualquer bicho disfarçado de gato. Ou gente.

Mas o gato foi-se aproximando, meigo, e eu fui-me deixando cativar. Agora, muitas vezes, quando vou para debaixo da grande figueira, levo um prato de leite e fico à espera. Mas estou ansiosa enquanto ele não chega. Depois, se sinto um roçar vadio, um deslizar descarado, sinto-me arrepiar. Tenho medo de me virar, que não seja ele. Ou que ele venha transformado, me ataque.

Depois ele chega, olha para mim com aquele seu olhar profundo que parece o fundo do mar, eu sorrio nervosa e digo-lhe 'demoraste'. Ele limita-se a beber o leite. Depois lambe-se, espreguiça-se, e deita-se perto de mim.

Se, do lado de lá, vem um ruído, reparo que o seu pêlo se eriça. Levanta-se inquieto. E eu fico ainda mais inquieta.

Quando anoitece, eu cheia de medo, medo que ele se transfigure, vou sorrateiramente para dentro de casa. Por vezes, ouço-o a miar, parece um choro. Fico arrepiada, parece um gemer de gente.

Um dia ele não apareceu. Esperei. Fiz bchchh, bchchh, mas fiz baixinho com medo que alguém me ouvisse. Parecia-me ouvir ruídos do lado de lá. Como uma gata cheia de medo, fui até ao buraco do muro, quase a tremer, silenciosa, a respiração quase suspensa e, a medo, espreitei.

Então fui surpreendida por uma visão irreal. O meu coração disparou, o meu coração sempre tão ansioso.

Na varanda, uma mulher muito velha, com longos e fracos cabelos grisalhos, estava sentada com uma toalha pelos ombros. Uma mulher mais nova, cujo rosto não consegui ver, parecia estar a cortar o cabelo à idosa. Mas depois, quando se desviou do meu ângulo de visão, vi que não era a cortar, era a pentear, tinha-lhe feito uma trança e enrolara-a atrás. Depois colocou a mão no ombro da outra e afastou-se e, de dentro da casa, começou a sair uma música solta, ao de leve, piano. O cenário perturbava, era inquietante, como se estivesse para acontecer uma qualquer tragédia.

Então, a mulher velha levantou-se a custo, abriu os braços e a custo fez como se dançasse, mas muito lentamente, ao som da lenta música. Depois sentou-se de novo e ficou de frente para mim. Assustei-me. Tive vontade de fugir. Mas não consegui, estava paralisada. A mulher parecia fitar-me. Vi então que talvez não fosse velha, que talvez o cabelo não fosse branco. Era uma mulher estranha.

A música continuava a sair de dentro da casa, uma nota, outra, notas soltas como gotas de chuva, como breves e silenciosos soluços.

Reparei que o gato andava sobre o muro da varanda, como se conhecesse a mulher. Depois, inquieta, reparei que o rosto e pescoço da mulher pareciam cobertos por bichos, mas bichos que não a incomodavam.

A mulher não pestanejava, apenas olhava o muro. Afastei-me ligeiramente para a poder ver sem que ela me visse. Reparei, então, que com uma das mãos tocava o rosto. Pensei que estava a afastar os diabólicos insectos mas depois vi que não, parecia afagar o próprio rosto, como se, com compaixão, limpasse lágrimas escorrendo.

O meu coração estava assustado, mal respirava com medo que, de alguma forma, a minha presença fosse pressentida, estava com medo do que se passaria naquela casa tão estranha, com muito medo, com um medo irracional. Tanta inquietação naquela casa que me já me parecia assombrada.

Então, ouvi uns passos, um salto. Quase perdi os sentidos, tal o medo. Poderia ter corrido para casa mas não fui capaz, estava incapaz de me mover. Fechei os olhos, aterrorizada.

Algum tempo depois, a medo, a tremer, abri os olhos.




Do outro lado, ameaçador, o gato espreitava. 


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Querem crer que estou mesmo arrepiada...? Bolas para o gato, que me assustou mesmo.

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A música é de Arvo Pärt - Für Alina.

A fotografia de Kate Moss é da autoria de Steven Meisel. A dos gatos não sei.

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Adiante. Relembro: se descerem até ao post já a seguir, poderão ver o belo negócio que fiz com as minhas compras nos saldos deste ano e poderão ver o que é moda a sério.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira. 
Sem medos, mas com subtis mistérios, doces fantasias. E saúde. E alegria.


1 comentário:

FIRME disse...

Olá! Eu neto de uma pastora,beirã,ouvi dizer ao meu pai...poucas vezes,pois não teve muitas:maldito gato...já roeu outro queijo!!!Era 1 gata mimada da casa ! Estava parida,não tinha vagar para caçar ratos !Eu hoje perdoo-lhe...