terça-feira, outubro 01, 2013

A palavra aos Leitores de Um Jeito Manso. 1º: "Os impostos são só para os outros?", interroga-se José Vítor Malheiros ('O objectivo das empresas com morada na Holanda é a dupla não-taxação: não pagar nem cá nem lá'). 2º: E "As premonições de Natália Correia", segundo Fernando Dacosta in "O Botequim da Liberdade"


Recebo com frequência mails em que os meus Leitores fazem o favor de me enviar a sua opinião, artigos ou fotografias que consideram relevantes, músicas, etc. Nem sempre consigo tempo para agradecer e nem sempre tenho tempo para compor os textos de modo a poder divulgá-los (a forma como as coisas me chegam, por vezes, se transposta tal e qual para o editor do blogger, sairia toda desformatada, pelo que tenho que ter algum cuidado de edição)

Mas hoje, agradecendo aos Leitores que mos enviaram, resolvi divulgar dois deles por me parecerem que, lidos em sequência, permitirão uma leitura interessante. 

Aliás, há dias li uma breve referência ao estudo referido no 1º artigo e imaginei que ia dar que falar. Para minha surpresa, abateu-se sobre ele um manto de silêncio. Felizmente José Vítor Malheiros deu-lhe relevo e eu, aqui no UJM, faço-me eco de tão oportunas palavras. Se todos os jornalistas divulgassem informação como esta, talvez as pessoas não aceitassem tão facilmente os sacrifícios que lhes são impostos em nome de pecados que não cometeram.




Os impostos são só para os outros?


de José Vítor Malheiros publicado no Público de 17 de Setembro de 2013




O relatório tem como título “Avoiding Tax in Times of Austerity” e como pós-título “Energias de Portugal (EDP) and the Role of the Netherlands in Tax Avoidance in Europe”, foi publicado há dias e já deu origem a várias notícias de jornal. O seu autor é a SOMO, uma organização holandesa sem fins lucrativos, dedicada ao estudo do desenvolvimento sustentável e que há quarenta anos monitoriza o funcionamento das multinacionais e o impacto da sua acção no desenvolvimento económico, no ambiente e nos direitos humanos.


O que diz o relatório? Explica como é que as grandes empresas portuguesas fogem aos impostos em Portugal criando empresas-fantasma na Holanda (mailbox companies, assim chamadas por terem pouco mais do que uma caixa de correio), fazendo passar por elas os seus fluxos financeiros, beneficiando não só das condições fiscais vantajosas que a Holanda oferece às empresas estrangeiras como conseguindo por vezes, como fez a EDP, acordos especiais com o fisco holandês que lhes garantem uma “dupla não-taxação”.

“Dupla não taxação”? Sim. Estas empresas não pagam ou quase não pagam impostos nem cá nem lá, graças a uma hábil utilização das leis fiscais, à conivência das autoridades fiscais holandesas que ganham com o negócio das empresas-fantasmas cerca de mil milhões de euros por ano e, claro, à benevolência generalizada, em Portugal e na UE relativamente aos abusos do grande capital.

A expressão “double non-taxation” aparece 15 vezes nas 30 páginas do relatório e é o Santo Graal do “planeamento fiscal agressivo” - o eufemismo utilizado para descrever a fuga, legal ou ilegal, aos impostos.

O relatório da SOMO não tem nenhuma novidade de fundo. Os advogados que aconselham as empresas sobre as melhores maneiras de fugir aos impostos, os activistas que combatem a mesma fuga aos impostos, os políticos e os jornalistas da área conhecem bem esta situação, que é objecto de discussão em organizações internacionais há anos. Por isso, o relatório foi objecto de algumas notícias mas não suscitou a indignação generalizada que teria sido justa. E, no entanto, esta é uma das razões principais da crise que vivemos, da desigualdade crescente das nossas sociedades, da erosão da democracia que todos sentimos. Graças aos buracos nas leis nacionais e às lacunas nas leis internacionais, as grandes empresas conseguem fugir às suas obrigações fiscais e defraudar o Estado enquanto usam as infraestruturas que os cidadãos pagam com o seu trabalho. A fuga aos impostos é o roubo por alguns do património de todos.



É por isso que é chocante a mentira que Passos Coelho gosta de repetir segundo a qual “não há dinheiro”. Não há dinheiro para a saúde ou para a educação. Não há dinheiro para pensionistas ou para desempregados. Não há dinheiro para as universidades ou para as pequenas empresas. Mas há dinheiro para compensar a fuga aos impostos das grandes empresas. Mais: os mesmos políticos que repetem que não há dinheiro são os que nunca levantam um dedo nos fóruns internacionais para combater a evasão fiscal. E os empresários que mais falam de patriotismo e que pregam que temos de trabalhar mais são os mesmos que vivem à conta dos impostos que nos roubam. Dezanove das empresas do PSI 2 têm empresas de fachada na Holanda. E o Governo adula as grandes empresas que fogem aos impostos enquanto esmifra os trabalhadores por conta de outrem. Como a famosa milionária americana Leona Helmsley (que foi presa por fuga ao fisco) o Governo acha que só os pobres é que devem pagar impostos.



A Comissão Europeia estima que o total perdido devido à fuga aos impostos é de um milhão de milhões de euros por ano. Quando se olha para o que as empresas roubam à comunidade através dos seus advogados pagos a peso de ouro e dos políticos corruptos que metem no bolso percebe-se de onde vem a dívida pública. Quando nos roubam é natural que fiquemos com um défice. Só a parte legal dessa fuga aos impostos é estimada em 150.000 milhões de euros. Mais do que o orçamento total da União Europeia.




Não há dinheiro para pagar pensões quando as grandes empresas dão o golpe do baú todos os anos, perante o sorriso seráfico de Maria Swap Albuquerque. A SOMO diz aliás a certa altura que “apenas podemos especular sobre as razões por que as autoridades fiscais portuguesas não levantam junto das autoridades fiscais holandesas” a questão da fuga aos impostos das empresas portuguesas.

Imagine por um momento que tínhamos um Governo honesto, empenhado em fazer cumprir a lei, em combater este regime de crime social tolerado. Qual seria a importância da nossa dívida? Seria possível continuar a destruir o Estado Social com o argumento da falta de dinheiro? Seria possível continuar a vender ao desbarato o património público? Não. É por isso que podemos ter a certeza de que, com este governo, a actual situação de saque legal e fuga das empresas para paraísos fiscais como a Holanda irá continuar.

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"As premonições de Natália Correia" 



A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista.

A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá,  talvez vingança!

Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente.

Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda  querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica.

Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão.

Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?

As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida.

Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir.


Excertos de citações de Natália Correia contidas no livro de Fernando Dacosta, O Botequim da Liberdade.

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11 comentários:

Alice Alfazema disse...

Obrigada!

Um abraço. :)

Anónimo disse...

penso que todos sabemos qual o problema,não vai faltar artigos como este a explicar outras situações, basta ler a 2.ª série do DR, mas a questão que se põe é, quem põe cobro a esta MERDA.Quem neste país tem um CV imaculado para poder pegar o touro pelos cornos.QUEM?

Anónimo disse...

não é preciso fazer grande esforço, para fazer um artigo de opinião e ter centenas de pessoas a pensar, tem razão, neste país é fácil.Mas acho que precisamos menos de palavras e mais acção, lembrei-me deste excerto do filme o Bom , mau e vilão - https://www.youtube.com/watch?v=AApIyQK-vEQ

Anónimo disse...

Olá jeitinho,
Excelente sequência.
Beijinhos Ana

ERA UMA VEZ disse...

Completamente esmagada com as palavras de Natália Correia.

Anónimo disse...

http://madespesapublica.blogspot.pt/2013/10/quem-e-que-para-despesa-em-belem-e.html

Anónimo disse...

Dois excelentes artigos! Palavras para quê, se está aqui dito tudo?
Um bom resto de dia. Parece que a chuva, lá para 5ªfeira, vai embora.
P.Rufino

Anónimo disse...

Extraordinárias palavaras de Natálica Correia, espantosa capacidade de análise e de previsão. Muito interessante.

J

Pôr do Sol disse...

Natália Correia era uma mulher inteligente. Conhecia-lhe o poder de analise mas não o de previsão.

Desconheço o livro O Botequim da Liberdade, mas nas suas premonições Natalia Correia foi até à "vingança dos retornados" e já sentimos essa realidade consumada, temo pelas outras.

Golimix disse...

Palavras sãs. Verdades simples. Cabeças no ar...

Cabeças no ar os que deixaram que nos levassem assim. Era lógico que todo o dinheiro, os tais fundos Europeus, que entraram no início em Portugal e que foram para os bolsos de alguns, e que foi muito mal governado e muito desperdiçado. Esse dinheiro iria sai-nos muito caro. Não há milagres.

Assim como não há milagres com os sucessivos Governos. Gente que só olha para o seu umbiguinho!

André disse...

Por falar na dupla não tributação, atrevo-me a partilhar aqui um post do meu blog: http://thoughloversbelostloveshallnot.blogspot.com/2013/10/fundacao-francisco-manuel-dos-santos.html sobre a fundação que se apresenta com o nome Fundação Francisco Manuel dos Santos... (para quem não sabe, dos mesmos accionistas da Jerónimo Martins)...