sexta-feira, julho 26, 2013

Estou in heaven. Já varri que só visto e ainda tenho muito mais que varrer. E muito que me encantar: a grevílea renascida continua a crescer, a ave do paraíso prepara-se para um sono reparador antes de voltar a renascer. E uma mulher, por vezes, senta-se enquanto uma gaivota a sobrevoa e, outras, ergue-se, face erguida, inteira onde os outros se dividem. Sejam bem vindos.


Depois de ter escrito sobre a entrevista de Clara de Sousa à ministra Maria Luís Albuquerque (sobre quem, na altura, a minha mãe, quando comentei com ela quem era a nova Ministra das Finanças, me perguntou: 'Quem? Aquela mentirosa?'), e de, a seguir, ter aqui trazido excertos de Rumor Civil, um livro de Nuno Brederode Santos (que reúne crónicas dos tempos em que ele escrevia inspiradas e extraordinárias crónicas no Expresso, que se revelam bastante actuais), tinha-vos dito que ainda cá voltava para vos contar o que andei a fazer hoje de tarde.

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E o prometido é devido. Cá estou.

Da praia para o campo. Estou in heaven.

O tempo por cá hoje esteve brando, um daqueles dias suaves que parece prenunciar o outono. Nem muito calor, nem muito vento. Uma aragem macia, um calor tépido que me sabe bem sobre a pele, uma luz dourada.

A nossa grevílea renascida continua a crescer. O meu marido continua a regá-la mal chega, o que é surpreendente porque ele defende que aqui só devemos ter o que se criar por si só. Mas desenvolveu uma estima por esta pequena árvore que demos por morta, que ele serrou pela base muito tempo depois dela se ter partido com o vento, quando assumimos que não havia nada a fazer - e que, no ano seguinte, nos emocionou quando a vimos a renascer.




Encanto-me com ela. À tarde, a serra que nos envolve devora o sol mas, antes disso acontecer, a luz começa a dourar-se e eu, aqui da sala onde estou, vejo como a grevílea começa a ficar iluminada, a luz brilhando entre o rendilhado das suas folhas. Nem sei quantas fotografias já fiz para fixar este momento que para vocês que me lêem pode ser banal mas que, para mim, é encantatório. (Tenho uma certa pancada, vocês já sabem).

O céu estava um pouco nublado e, antes do entardecer, a serra, ao longe, estava azulada. Aliás, quando aqui não estou e, de cabeça, revivo as imagens da serra, é assim que a recordo, curvas suaves, um azul subtil, um veludo macio. E no entanto, eu sei, é quase toda feita de pedra.




Esta imagem foi feita com zoom pois, de facto, não estou tão perto da grande serra como aqui parece. Tenho-a a quase toda a volta, mas longínqua, bela, quase inventada, por vezes mal se distingue das nuvens, outras parece uma sombra distante, transparente. Depois, ao fim do dia, no verão, o céu fica avermelhado e o sol entrega-se a ela, mergulha dentro dela. E eu fico a vê-los. É o meu lado voyeur.

Mas, enfim, não é só rêverie. Não temos cá ninguém a trabalhar, somos só nós dois quando cá estamos. E a natureza tem uma força brutal. 

Agora estamos na fase das folhas secas. Na zona das azinheiras aqui ao pé de casa, o chão está coberto daquelas pequenas folhas que crepitam quando as pisamos. Fica bonito e propicia um andar macio. Mas temos que as apanhar pois, senão, quando chover, apodrecem; escorregaríamos.

Mas não me queixo porque gosto de varrer. 



Na parede, sob as ramagens de um grande e perfumado cedro,
um painel de azulejos que reproduz uma pintura de Guilherme Parente

Reparem: uma mulher está sentada enquanto no céu voa uma grande gaivota


Claro que teremos também que cobrir toda a lenha que está a descoberto e todos os ramos secos. Este ano não teremos que comprar lenha. Infelizmente temos muita. Das árvores que caíram quando foi o vendaval fiz banquinhos, muitos banquinhos que agora estão sob a copa de algumas árvores. Mas ainda sobrou muita lenha. Quando, no inverno, me aquecer ao calor dela vou tentar não me lembrar de como era bom sentar-me sob a sua sombra ou aspirar o ar perfumado junto a elas.

É a vida, eu sei.




O meu marido puxou e apanhou a caruma com um ancinho enquanto eu apanhei as folhas das azinheiras. Enchi muitos baldes (balde não: este baldão cinzento que, quando está cheio, fica bem pesado...) que transportei para sítios onde o terreno é quase só pedra. Assim, a matéria orgânica inútil tornar-se-á alimento útil para outras árvores.

Amanhã tenho ainda muito chão para varrer do outro lado da casa. Claro que há mil outras coisas que deveriam ser feitas mas para as quais nunca sobra tempo.



Eis aquela que parou em frente/ Das altas noites puras e suspensas.// Eis aquela que soube na paisagem/ Adivinhar a unidade prometida:/ Coração atento ao rosto das imagens,/ Face erguida,/ Vontade transparente/ Inteira onde os outros se dividem

[Sophia de Mello Breyner]



Há muitas paredes que deveriam ser lavadas antes que o tempo as cubra de marcas que um dia serão difíceis de tirar. Mas não apenas, como disse, o tempo não chega pois seria empreitada para muitos dias como, por estranho que vos possa parecer, gosto de as ver assim. Gosto de ver o efeito do tempo sobre as coisas. Tal como sobre as pessoas.

Tal como sobre as flores.

No início de Maio passado maravilhei-me, uma vez mais, com a minha estrelícia, uma ave caprichosa e bela, e partilhei esse maravilhamento convosco. Talvez se recordem : chamei-lhe, então, A bird in heaven.

Agora, aquela que foi uma exuberante, quase escandalosa, ave do paraíso, está toda ela outra, peles caídas, secas. Efémera é a beleza, poder-se-ia pensar. Mas eu não. Julgam que a corto?




Qual quê...? Fotografo-a com ternura. Acho-a belíssima na mesma, abstracta, elegante. E sei que na próxima primavera me surpreenderá de novo com a sua eternidade.

Belas e eternas são as coisas que muito amamos. As coisas e as pessoas. E os lugares.


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Recordo que abaixo poderão encontrar excertos curiosamente muito actuais do Rumor Civil de Nuno Brederode Santos e que, mais abaixo ainda, um texto que escrevi depois de ter visto a entrevista na SIC com a Maria Luís Albuquerque, uma mulherzinha que me incomoda. 

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E, por agora, mais nada. 
Apenas quero desejar-vos ainda uma sexta feita muito feliz!
(Já é sexta feira? Bolas! O tempo passa a correr.)


3 comentários:

ERA UMA VEZ disse...

Querida Jeitinho

Estou de volta ao Sado. Que "inveja" dessa energia de varrer, limpar, mangueirar, jardinar, enfim...
Pedi a Deus ou ao Universo, sei lá eu, dez dias sem dores para curtir e tratar das manas enquanto os pais cumpriam o plano de subir o Pico na ilha do Pico(tarefazinha super difícil)
Por cá correu tudo maravilhosamente
e adoraram descobrir os "olhinhos de água" que dão o nome à praia.

Quanto à liberdade condicional, pois acabou.A coisa foi tão levada a sério que voltaram "as ditas".Também não era preciso ser tão rigoroso, caramba!

Não, não é alergia à casa, da qual gosto tanto.Havemos de falar do tal médico.

Estive de sofá a ver a tomada de posse dos piquenos e pergunto-me: Mulheres a menos ou "mulher" a mais???
Bom trabalho e bom descanso




Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Seja bem-vinda ao seu in heaven, onde quer que esteja, na praia ou no campo, está sempre perto de nós!... Agora o encontro saboroso e caloroso com a sua "natureza", as suas árvores, as suas plantas que tanto ama a necessitarem dos seus cuidados e do seu carinho. Admiro muito a ternura com que fala delas e a atenção que lhes dispensa. Não é "pancada" nenhuma, como diz, isso é "amar a natureza", ver desabrochar um rebento, depois vê-lo crescer e transformar-se lentamente em planta ou árvore é como ver nascer um filho e acompanhar o seu desenvolvimento ao longo dos anos. Fico enternecida com a força da natureza e com as lições de vida que tiramos dela, e com as suas partilhas.
Um beijinho grande e um bom fim de semana na companhia de tudo o que ama.

jrd disse...

Está-se bem por aí!
Há quem diga que bom, ainda é só sexta-feira...
;)