segunda-feira, junho 17, 2013

Pedro Mexia entrevista Geoff Dyer no Expresso e Rogério Casanova entrevista-o na Revista Ler: façamos uma leitura comparada. Eu, que sou uma leiga encartada, antecipo já as conclusões: uma é agradável de ler e outra é uma seca das antigas.


No post abaixo mostro os meus pimentinhas a montar e falo da nossa tarde no meio dos cavalos. Repito: quem monta são os meus pimentinhas, não eu. Já sabem como eu sou. Sou fisicamente medrosa: tal como não me vejo a saltar de uma prancha de piscina, como no outro dia referi, também não me vejo em cima de um cavalo. E se ele desata a galope? Ou a empinar-se e a escoicear? Foge... Ná. Isso não é para mim. E, por isso, e o medo que tenho que os meus meninos caiam? E se magoem? Ou que andem ali no meio dos cavalos? 

Bom, mas isso é no post a seguir.

Aqui a conversa é outra. Aqui fala-se da arte de bem entrevistar.



Geoff Dyer, com uma certa pinta, sim senhor


Na sexta feira passada o Rui Ângelo Araújo descreveu a sua experiência ao ler a entrevista da Ler de Rogério Casanova a Geoff Dyer - e passo a transcrever o início do seu texto:


Assistir (é este o termo) à entrevista de Rogério Casanova a Geoff Dyer na Ler é um exercício de masoquismo. A erudição e o escrúpulo literário do português vergastam-nos e deixam o próprio entrevistado entre o intelectualmente embevecido (quando o cérebro geek e coleccionador de autógrafos de Casanova está ao serviço de uma espécie de private flattery) e o ligeiramente claudicante (quando Rogério e a sua inteligência ficam à solta e resolvem eles mesmos discorrer sobre os assuntos que previamente propuseram a Dyer). Numa conversa destas sobra para nós o lugar de espectador perdido — e para os nossos queixos a função natural de caírem bovinamente.

Justamente na véspera tinha eu estado a ler essa entrevista e tinha pensado isso mesmo, como tive oportunidade de comentar nos Canhões.

No entanto, deixem-me dar um passo atrás. É que, antes de mais, tenho que confessar: nunca tinha ouvido falar de Geoff Dyer (o que não é de espantar: sou uma criatura com assumidas limitações). No entanto, ao ler aquela entrevista, fiquei com a estranha sensação de que, não apenas as minhas limitações são mais acentuadas do que eu pensava pois não apenas deveria conhecer bem o dito Geoff como, também, deveria saber dos gostos literários, dos hábitos, e, ainda, conhecer os amigos e os conhecidos dele.

Ou seja, acabei a entrevista a achar-me uma estrangeira naquele estranho território em que toda a gente sabe tudo sobre o que todos escreveram, sobre quem disse o quê de quem, sobre como cada um reagiu em certas situações, sobre quem almoçou com quem,... , tudo. E eu ali, leiga, burra, sem saber nada de nada daquele meio sofisticado, iluminado. Nada de nada, eu, uma literário-excluída. 

Transcrevo um bocado escolhido ao acaso da referida entrevista da Ler:

Já me aconteceu ler um romance contemporâneo e pensar: 'Aqui está um romance que Geoff Dyer talvez conseguisse ler até ao fim'
     - Por favor diga-me quais são, é evidente que eu preciso de ajuda.

Tom McCarthy?
     - Infelizmente já tentei e não resultou.

Tentou C. ou Remainder?
      - Desisti do Remainder e lembro-me de ter dito mal do livro, não sei em que contexto, acho que num programa de televisão em Inglaterra. também desisti do C., acho que ao fim de menos páginas, mas é mais difícil dizer mal desse livro, por lealdade ao livro G. do John Berger.

Isso, acredite, é um revés dramático para a minha teoria. Os outros dois trunfos que tinha eram o Aleksander Hemon e o Ben Lerner.
     - Ah, temos um tiro no alvo! Não li o Aleksander hemon, mas gostei muito, muito do romance do Ben Lerner [Leaving the Atocha Station]. Aliás, foi das coisas de que mais gostei nos últimos anos.

A espaços, parecia-me que estava a ler um romance de Geoff Dyer.
(... etc, etc. E assim continua.)

Que coisa chata de ler...! O Casanova parecia que estava a fazer uma sabatina ao pobre do Geoff, ou a armar-se em bom, a exibir a sua sabedoria perante o outro, ou a bajulá-lo, uma coisa quase pacóvia de tão deslumbrada, nem sei dizer.



A propósito: quem é Rogério Casanova?

(Isto é um pseudónimo, certo?)


Aliás, e vou fazer outra confissão: ao ler a entrevista tal como ao ler entrevistas deste género passa-me pela cabeça que tudo aquilo seja ficção, que o Casanova faça as perguntas e dê, ele próprio, as respostas. Custa até acreditar que alguém faça uma entrevista assim, parece invenção.

E, claro, cheguei ao fim da entrevista enfastiada e sem vontade de ler qualquer livro do dito Geoff e jurando a mim própria não voltar a comprar a Ler (volta e meia faço juras destas - mas depois, na edição seguinte, deixo-me sempre tentar, na esperança de ser surpreendida). Mas, não sei se vocês são da mesma opinião que eu, é que não há pachorra para secas destas.

Claro que admito que o problema seja meu. Gente mais cultivada, achará certamente o máximo e, quem sabe?, lê este desfiar e fica a babar com tanta intimidade, tanta sapiência.

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Pedro Mexia,
a quem estou a ver, neste momento, no Governo Sombra da TVI 24 

e que acabei de fotografar para ilustrar este texto


Mas, então, eis que o Pedro Mexia entrevista o mesmo senhor, desta vez para o suplemento Actual do Expresso. E aí as coisas mudam de figura. 


Começa por introduzir a criatura e a gente, olhando a fotografia do Geoff (reparem como, depois de ter lido a entrevista do Casanova, até eu já estou íntima do Geoff) e lendo o que Pedro Mexia diz, começa a ficar com as bases para perceber melhor o que se vai passar a seguir.

Transcrevo:


Geoff  Dyer: and he's got blue eyes...


Aos 54 anos, Geoff Dyer parece um galã das matinés e tem uma linguagem corporal e um vocabulário descontraídos, ainda que com um accent muito 'anlo-britânico' e com um discurso cheio de interjeições e hesitações fleumáticas, como 'hmm', 'please do', 'I see'...

E a introdução prossegue em tom descontraído e com leveza - como percebemos que o autor também o é. 

E a entrevista é um prazer de ler. Transcrevo um pequeno excerto:

Lê as críticas dos seus livros?
     - Leio, por acaso leio. Porque ainda dependo delas, ainda não atingi aquele nível em que a publicidade à volta do livro é tão grande que as críticas se tornam irrelevantes.

E uma má crítica estraga-lhe o dia?
     - Consegue deixar-me lixado. Mas eu não sou muito autocentrado. Se apareço tanto nos meus livros é porque estou disponível como instrumento de pesquisa [risos]. Sou o canário que pode ser enviado às minas de carvão [risos].
(...etc, etc)

Ou seja, lê-se e fica-se a simpatizar com o autor, talvez até com vontade de ler os seus livros. 

Isto é uma boa entrevista e, uma vez mais, Pedro Mexia revela-se um óptimo entrevistador: dá espaço ao entrevistado, respeita a sua maneira de ser, mostra genuíno interesse nas suas opiniões e, sobretudo, percebe que o palco é devido ao entrevistado e não ao entrevistador.


Se lamento a saída de pessoas como, por exemplo, António Guerreiro do Actual do Expresso, tal como antes tinha também lamentado a saída de José Manuel dos Santos, pelo contrário aplaudo a presença de Pedro Mexia. A sua crónica de abertura deste caderno, as suas críticas e as suas entrevistas são sempre matéria de qualidade que valorizam o Expresso, fidelizando os leitores.

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Relembro que, a seguir, podem ver um breve registo da minha tarde, com os meus pimentinhas queridos no meio dos cavalos.

Gostaria ainda de vos convidar a virem até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras juntam-se aos beijos de um casal que se ama junto ao céu, por entre uma cortina de ramagens. Não foram sozinhas: foram levadas pelas belas palavras românticas de Jorge de Sena. A seguir tenho um músico português: José Valente, uma descoberta feliz.

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E, por agora, nada mais. Resta-me desejar-vos uma boa semana a começar já por esta segunda feira. Saúde, felicidades e muita determinação. Aos professores, a minha solidariedade. 

3 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Gostei.... e muito das suas pertinentes observações comparando as duas entrevistas e sobretudo os dois entrevistadores. O pedantismo intelectual do Casanova é insuportável e lamentavelmente frequente na nossa intelectualidade!

Um abraço

Helena Sacadura Cabral disse...

Cara UJM
Não podia estar mais de acordo consigo. E também lhe confesso que só fiquei a conhecer o bonitão depois de ler a entrevista do Mexia. Que até me irrita um pouco, mas que é um homem culto, inteligente e que sabe entrevistar.

Anónimo disse...

O Rogério Casanova é um pouco para o insuportável realmente, só gosto dele quando escreve sobre o Thomas Pynchon. Mas só mesmo.
Agora, o António Guerreiro é um chato monumental. Um intelectual cheio de mofo, chato de doer. Muitas críticas dele eu li em que só via era invenção de argumentos para deitar abaixo livros que ele simplesmente não gostava (o que não quer dizer que fossem maus, nem tudo tem de entrar no limitado padrão de elite intelectual do génio A. Guerreiro). Simplesmente acho que ele não dava para crítico de livros.
Quanto ao Pedro Mexia, é talvez o meu crítico preferido, as entrevistas também são sempre boas e o gosto igualmente de ouvir as suas opiniões sobre temas gerais, mesmo quando não concordo com o que ele defende.
R.A.