domingo, maio 26, 2013

E, por falar dos figos lampos que aí vêm, as nêsperas doces e o meu avô... E, por falar numa bela flor que renasceu num lugar imprevisto, a vida que é imprevista e breve (breve ou eterna?). E, por falar em doideiras, a antologia do Henri Michaux. E, por falar em palhaços, ...


E, por falar em figos lampos... Rebentam com uma vitalidade maravilhosa, uns já estão grandinhos, rijos, um compacto de vida verde, luzindo por entre as folhas que quase ficam douradas em contra-luz.




Não tarda estarão maduros, a pele mais clara, brandinhos, um pingo de mel escorrendo, doces, carnudos. Irei apanhá-los e, sem resistir, comê-los logo, tentadores.

As nespereiras estão carregadas de nêsperas doces, carnudas. Vou à árvore e como-as directamente. Algumas começam a estar debicadas. Os pássaros também não lhes resistem. 

O meu avô tinha no quintal uma nespereira enorme. Ele subia por ela para ir buscá-las lá muito em cima e eu ficava orgulhosa por ter um avô que fazia arriscadas acrobacias para ir buscar nêsperas para a neta. Por vezes ele tinha que recorrer a um pau muito grande que tinha um gancho metálico na ponta e com o qual fazia vergar os ramos. Quando estava lá em cima, empoleirado na nespereira, pedia-me o pau e eu passava-lho. Depois dava-mo de volta. Sentia-me a sua ajudante e isso fazia sentir-me importante. Muitas vezes eu tentava manejar aquele gancho telescópico mas não tinha força para suster os ramos.

Esse pau está agora aqui in heaven. É com ele que apanhamos a fruta que está mais alta. Pode parecer estranho que eu tenha querido ficar com ele mas não é. Quis ficar com os objectos que os meus avós mais usavam. Também tenho o cadeirão onde o meu avô se sentava a ler ou a ouvir rádio ou a ver televisão. E também a enxada e a pá que o meu avô usava para tratar a sua horta. À volta da sua casa havia uma horta e um jardim. Ele gostava mais da horta. A minha avó recriminava-o por isso mas ele não ligava. Por isso, era ela que acabava por ter que se ocupar do jardim. Na horta, ele tinha cebolas, alhos, tomates, feijão verde, favas, couves, batatas. E eu andava atrás dele, perguntando tudo, querendo perceber cada pormenor, querendo ajudar. 

Ele trabalhava numa empresa e, no tempo livre, ia à pesca e tratava da horta. Depois, quando se reformou, esses passaram a ser as duas actividades principais. Sempre feliz, sempre tranquilo. 




Não sei como se chama esta flor. Há muitos anos o meu pai trouxe umas sementes e plantou num canteiro à porta de casa. Cresceram umas flores grandes. Aos poucos essas flores foram desaparecendo mas, tempos depois, muito longe desse sítio, renasceram e agora, ano após ano, voltam a nascer, vigorosas, dentro dum canteiro onde um cedro está a ver se vinga.

As pétalas são largas, macias, formam umas campânulas em bordeaux profundo, e vão abrindo ao longo do pé até que fica a haste inteira cheia de flores. Mas são efémeras. Quando ficam assim, no apogeu, já sei que é sinal que o fim está para breve.

Mas já sei também que, ali ou noutro lugar, renascerão para o ano que vem. Ou se não nesse, noutro qualquer.

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Estou a ler a correspondência entre o António Ramos Rosa e o Jorge de Sena. Gente de bem. Gente do bem. Dois seres delicados na sua amizade, muito sérios, muito genuínos. Uns cavalheiros nas letras e na vida.

E comecei a ler mais um livro de doideiras, a Antologia de Henri Michaux, numa tradução de Margarida Vale de Gato para a Relógio d'Água. 

Gosto, claro. Mostro-vos a seguir do que estou a falar quando falo de doideiras. 

Ultimamente é disto que mais me interessa. Ou isto ou cartas ou memórias. Historiazinhas previsíveis, personagens e mais personagens com pouca textura, diálogos postiços ou armados, isso pouco me diz, falta-me paciência. Mas dêem-me uma coisa maluca, conversas inesperadas, conclusões que não são conclusões, observações doidas - e, aí, já eu fico agarrada.

Vejam.


A simplicidade

O que sobretudo tem faltado à minha vida até agora é a simplicidade. Começo a mudar a pouco e pouco.

Por exemplo, actualmente saio sempre de casa com a minha cama e, quando uma mulher me apetece, agarro nela e deito-me com ela imediatamente.

Se tem as orelhas ou o nariz grandes e feios, tiro-lhos juntamente com as roupas e meto-os debaixo da cama, para ela os poder recuperar à saída; só conservo o que me apetece.

Se a sua roupa interior está a precisar de ser mudada, mudo-a imediatamente. Será a minha prenda. No entanto, se vejo uma outra mulher mais apetecível a passar, peço desculpas à primeira e suprimo-a imediatamente.

As pessoas que me conhecem garantem que eu não sou capaz de fazer o que estou a dizer, que não tenho temperamento para isso. Eu também achava que não, mas isso era porque eu não fazia tudo como me apetecia.

Agora, tenho sempre belas tardes. (De manhã, trabalho)

¨¨¨¨¨

E, por falar num certo Palhaço:



...
PALHAÇO, arrasando à gargalhada, pelo grotesco, por uma barrigada de riso, o sentido que, contra todas as evidências, atribuíra à minha importância.
Hei-de afundar-me.
Sem rede no infinito-espírito sub-jacente aberto a todos, eu próprio aberto a um novo orvalho inacreditável
à força de ser nulo
e raso...
e risível....

**

Os textos em itálico, são contos (contos? apontamentos? 'cenas'?) de Henri Michaux.

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E, por hoje, é isto.

Tenham, meus Caros Leitores, um belo domingo!



5 comentários:

Anónimo disse...

Olá,

Gostei muito deste post, do seu avô e do Henri Michaux!
Sem dúvida um autor a descobrir.

Ontem comprei o 'Viagens e outras Viagens' do nosso querido Antonio Tabucchi. É um conjunto de textos dispersos sobre viagens que ele foi escrevendo ao longo da vida.
Já li 'Na Grécia com Sophia' e adorei, claro!
É um daqueles livros que se abre 'ao calhas' e que nunca está completamente lido...

Também comprei o primeiro número da Granta Portugal e estou a gostar imenso.

Outro que me está a dar muito prazer ler é o 'Contos Capitais'. Já li o conto da Maria do Rosário Pedreira, que é passado em Paris e é deliciosamente inocente e macabro, e o do João Ricardo Pedro, passado em Montevideu, que achei mesmo fantástico, em todos os sentidos...

Quando não tenho cabeça nem tempo para ler romances (gosto de ler de um fôlego, detesto interromper por um ou dois dias), prefiro ler contos, crónicas, biografias curtas, poesia, etc.

Se e quando for à Feira do Livro, por favor, tire uma foto aos Jacarandás.
Morro de saudades deles!

Beijinho e bom Domingo!!!

Antonieta

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Gostei muito deste post e do carinho com que relembra o seu avô! Também me fez recordar minha Mãe e as flores que ela tanto gostava, tinha-as no seu jardim e de várias cores, chamam-se 'Malvariscos'.
Henri Michaux deve ser mesmo uma grande doideira do princípio ao fim, imaginativo e cómico!... Vou pesquisar.
Um beijinho e boa semana.

ERA UMA VEZ disse...

Querida jeitinho

Ansiosa por voltar a este convívio
e também por voltar a ter estas flores que não consigo comprar em lado nenhum.

Por cá são conhecidas por MALVARISCOS

Abracinho!

Anónimo disse...

No jornal “Negócios”, na mesma edição, por coincidência, onde vem a entrevista de MST, em que ele chama palhaço a Cavaco, retirei o seguinte: “...entre a chegada da Troika e a sua partida prevista, o desemprego deverá ter aumentado 60,9%, o PIB deverá encolher 5,8%, o investimento cairá 28,3%, e o consumo privado cairá 6,7% - mas, em compensação a dívida pública terá aumentado 24% e os juros da dívida terão um aumento de 47,7% !
E que Portugal está no top 5 europeu na compra de BMW, Mercedes e Audi! “
Bravo! Gaspar!
P.Rufino

Anónimo disse...

Caríssima UJM,

fascinante a 'presciência' de Mia Couto em "A guerra dos palhaços" - in Estórias Abensonhadas, não lhe parece?

( os seus móveis de família, belíssimos).

AdeSá