quinta-feira, abril 25, 2013

Neste 25 de Abril, pergunto: Valeu a pena? - E respondo: Valeu. (Mas quem disse que deveríamos deitar-nos e permitir que os velhos tempos avançassem de novo sobre nós? Ninguém disse, pois não? Então, porque o permitimos? Está em nós levantarmo-nos e lutar pelo nosso futuro). Nossos são todos os caminhos.


Virei-me para eles, então, e não sei qual foi a expressão estampada no meu rosto - raiva, dor, medo - mas levantaram ambos os olhos para mim, alarmados, e um deles começou a avançar na minha direcção como que para me impedir de dizer o que eu queria dizer a seguir. Recuei para longe deles, devagar, e pus-me a um canto. No início, sussurrei e depois falei mais alto e, quando ele se afastou de mim e quase se acobardou a um canto, sussurrei novamente, devagar, com cuidado, usando todo o meu fôlego, toda a minha vida, o pouco que me resta dela.

- Eu estive lá - disse. - Fugi antes do fim, mas se querem testemunhas, eu sou uma delas e posso dizer-vos que, enquanto vocês afirmam que ele redimiu o mundo, eu direi que não valeu a pena. Não valeu a pena.



Fogo de artifício sobre mim, há pouco


Direi eu também, acerca do 25 de Abril, que não valeu a pena? Não, não direi.

Valeu a pena. O obscurantismo, a censura, a falta de liberdade, a consciência vigiada - isso acabou. O analfabetismo, a mortalidade infantil - indicadores humilhantes que ultrapassámos.

Mas os tempos hoje são de retrocesso. Aliás cedo se começou a retroceder. A ilusão inocente dos primeiros tempos não resistiu à mediania que cedo se começou a instalar. Nada avança mais rapidamente que uma mancha de fraqueza, que uma nódoa de ignorância, que um lodo malsão de mesquinhez e ganância. 

Contudo, apesar dos passos há muito vacilantes, nunca se retrocedeu tanto como nos últimos tempos. A democracia vai definhando às mãos de gente que não sabe o seu significado, a liberdade é um bem ameaçado às mãos de quem retira a autonomia económica a tanta gente.

Deixámos com ingénua benevolência que a mediocridade alastrasse na sociedade e agora somos vítimas dos actos vis e ignorantes daqueles que deixámos que medrassem.



Pontos de luz rasgando os céus neste 25 de Abril de 2013


Mas que não nos resignemos, que não nos acobardemos. Somos muitos. Temos força. Temos a força da razão. Saibamos unir-nos e valorizar o que temos de melhor: uma história, uma cultura, uma valentia, uma geografia variada e bela, um humanismo afável. 

Quando nos disserem que não há alternativa e quiserem passar sobre os nossos corpos vergados, saibamos levantar-nos e responder que sobre nós não passarão. E que há sempre alternativas porque nossos serão sempre todos os caminhos.

O 25 de Abril bate no meu peito e, por isso, enquanto eu viver, nunca o deixarei morrer. As minhas armas não são muitas e têm todas cravos no local por onde deveriam sair as balas mas usá-las-ei todos os dias para que o futuro esteja de novo ao alcance das nossas mãos.



25 de Abril de 2013


Até lá, quando acordo à noite, quero mais. Quero que o que aconteceu não tivesse acontecido, tivesse tomado outro rumo. Quão facilmente poderia não ter acontecido! Quão facilmente poderíamos ter sido poupados! Não teria sido preciso muito. 

A ideia da existência dessa possibilidade invade o meu corpo agora como uma nova liberdade. Dispersa a escuridão e afasta o sofrimento. 

É como se um viajante, cansado de dias e dias a caminhar num deserto seco, um lugar destituído de sombra, chegasse ao cume de um monte e visse lá em baixo uma cidade, uma opala incrustada em esmeralda, cheia de abundância, uma cidade cheia de poços e árvores, com um mercado pejado de peixe e caça, os frutos da terra, laranjas, figos, limas, azeitonas, um lugar repleto de cheiros a cozinhados e especiarias.

Começo a descer em direcção a ela ao longo de um carreiro suave. (...) A toda a volta, silêncio e uma luz balsâmica e esmorecente. É como se o mundo se tivesse soltado, como uma mulher que, preparando-se para se deitar, desprende os cabelos. E eu sussurro as palavras, sabendo que as palavras são importantes, e sorrio enquanto as digo às sombras dos deuses deste lugar, que se atardam no ar para me ver e escutar.



Luzes e cores como cravos de Abril subindo nos céus

*

Os textos a itálico são pequenos excertos do livro O Testamento de Maria de Colm Tóibín (de que já tinha falado no post que escrevi a propósito do Dia do Livro)

As fotografias foram feitas por mim pouco depois da meia noite, quando o fogo de artifício iluminou o céu sob o qual eu estava.

*

Se quiserem mais um cheirinho a Abril, convido-vos a virem até ao meu Ginjal e Lisboa, a love affair onde falo da pobreza em Portugal e na Grécia e da força que deveremos deixar crescer dentro de nós, marchando ao lado de Hélia Correia. Na música, Sérgio Godinho lembra-nos que hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida.

*

E, por agora, nada mais. Desejo-vos, meus Caros leitores, um belo 25 de Abril. Sempre.

5 comentários:

jrd disse...

Porque valeu a pena:
É preciso lavar a cidade de mágoas.
É preciso recuperar as águas de Abril.
É preciso, de novo, falar dos cravos.
É preciso!...

Abraço

Anónimo disse...

O 25 de Abril valeu e continua a valer a pena. Apesar de governos como este. E mesmo com discursos miseráveis como o que foi proferido por Cavaco.
Haja esperança para dias melhores. Na pior das hipoteses ver-nos-emos livres desta cambada de governantes em 2015 e desta inqualificável figura de Belém em 2016.
P.Rufino

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Faço minhas as palavras do Leitor P. Rufino!

Um abraço

Maria Eduardo disse...

Sim, é preciso que os cravos façam sempre parte do nosso vocabulário como o símbolo da liberdade e que jamais seja ameaçada ou roubada.
Subscrevo as suas palavras e a dos seus leitores acima.
Um beijinho

Anónimo disse...

Olá jeitinho,
Obrigada pelas suas palavras.
Que haja sempre alguém que comemor o 25 de Abril para que não se esqueça o que aconteceu antes.
Haja esperança que este gang desapareça para nunca mais voltar.
Beijinhos
Ana