sexta-feira, abril 26, 2013

Conchinhas de suave madrepérola ou translúcidas como asas, pousadas sobre as palavras de Clarice Lispector. A Descoberta do Mundo. Por isso, o discurso de Cavaco Silva no 25 de Abril, um discurso tomba cravos, é assunto de secundaríssimo plano.


Ouvi a parte final do discurso de Assunção Esteves e gostei bastante. Um discurso elegante, culto, próximo da realidade concreta do País. 

Depois, comecei a ouvir o discurso de Cavaco mas desligaram-me a televisão e fui arrastada por um braço. Ouvi depois mais um bocado, já no carro. Nada de novo. Depois da conversa muito crítica para o desgoverno referindo a espiral recessiva, Cavaco entrou em retiro espiritual do qual começa agora a sair para dizer, de novo, coisas contraditórias. Nada do que ele diz consegue despertar-me grande interesse: é inconsequente, errático, crispado. E depois tem sempre aquele tom antipático, parece hostilizar as pessoas. Muito pode ele querer consensos mas, com aquela cara de esgar enquistado, com aquele tom de voz áspero que arranha a nossa sensibilidade, ele divide em vez de unir, afasta em vez de aproximar.

No entanto, desconfio que alguma coisa se passe para além da pobreza de espírito que nos é dado ver. Apesar de nunca se lhe ter conhecido algum rasgo ou alguma coerência, acho que alguma coisa agora não bate certo. Estranho esta mudança de atitude numa altura em que o desgoverno dá cada vez mais sinais de desagregação interna, de incapacidade para dar corpo a outra coisa que não a destruição do país. Não percebo. Acho que a situação do País é grave demais para ele estar a querer consensos em torno da destruição que está a ser levada a cabo.

O pobre Álvaro, o rei dos pastéis (lugar agora disputado por Paulo Portas), no outro dia, depois de um Conselho de Ministros de 8 horas supostamente dedicado ao desenvolvimento, apareceu a anunciar uma mão cheia de banalidades e de intenções, temas para discussões. Nada de concreto, nada para já. Outra coisa não seria de esperar. Este desgoverno não sabe fazer nada, é um bando desconexo, gente incompetente, impreparada, gente que para ali anda sem uma liderança que lhes defina o rumo. Começo a pensar que, em termos de descoordenação e bagunça, seja bem pior que o Governo de Santana Lopes. O único que vai fazendo o que quer, indiferente ao que se passa à sua volta, é o psicopata social (como lhe chama o outro) Gaspar.

Enfim: uma tristeza isto, este desnorte que acarreta um desequilíbrio cada vez mais grave nas contas públicas. Começo a recear seriamente as consequências disto. Passos e Cavaco ameaçam-nos com um segundo resgate se não amocharmos, mas receio que nos estejam já a preparar para isso (e, uma vez mais, desonestamente - tentando culpabilizar a população de uma desgraça que eles causaram e causam todos os dias). Temo mesmo que isso venha mesmo a acontecer pois, se não for posto cobro a esta destruição, não haverá volta a dar. 

Mas hoje não me apetece maçar-me mais a pensar nisto nem maçar-vos também a vocês, meus Caros Leitores.

Fui à praia. Que bem que se estava. Calor, um sol mesmo bom, um mar fresco mas agradável, crianças a correrem e a brincarem, cães a mergulharem e a nadarem como gente grande.




Claro que levei a minha máquina, não ando sem ela. Vou andando e captando momentos, cores, movimentos.

Fizemos a nossa caminhada, cerca de cinco quilómetros, à beira de água. 

Desde pequena que, quando à beira de água, vou de olhos postos nas conchinhas, limos, pedrinhas que o mar vai rolando, enrolando em espuma.




Desde que me lembro, apanho as que acho mais bonitas. Depois nunca sei o que lhes hei-de fazer. Algumas ainda guardo, outras acabam por se perder. 

Mas isso não lhes retira a capacidade de encantamento que têm sobre mim. Brilham ao sol, brilham quando molhadas e quando o sol se reflecte nelas; e algumas têm formas rendilhadas, trabalhadas pelas águas.

Agora atenuo a minha pena de não ter onde guardar tantos preciosos tesouros, fotografando-os.




Hoje havia este pequeno ser, não sei se uma alga, se quê. Misterioso. Nunca tinha visto igual. Se calhar é um extra-terrestre que estava ali sossegado, ao sol.




Sempre me atrairam especialmente as estrelas do mar. São seres elegantes, uma renda fina. Quando era uma menina que andava com um baldinho a escolher conchas, búzios, pedrinhas, ficava radiante quando descobria uma estrela do mar. Uma estrela que em vez de viver no céu, escolheu o fundo do mar. Por vezes levava-as para casa mas a minha mãe aborrecia-se. Ao fim de algum tempo deitavam maus odores e perdiam a beleza.

As coisas são mais belas no seu sítio original. Retiradas de lá ficam desenquadradas, tristes.




Mas vejo este pequeno caranguejo sem vida e, ao reparar na textura e nas cores suaves da sua carapaça, imagino peças que poderia fazer mas logo desisto. Peças para pôr onde? 

Contudo, depois, não resisto e trago uma bela concha, parece madrepérola, pequenina, macia, gosto de as sentir nas minhas mãos, e depois uma outra, grande, translúcida, muito bonita, parecem asas, se calhar de uma pequena fada que vivia também no fundo do mar, rodeada de estrelas. E trago também um pedaço de concha partida, com um raiar de tons suaves que se conjugam com elegante sobriedade. Trago-as, não resisto.

Estão aqui ao pé de mim. De tarde, coloquei-as sobre o livro que estive a ler, A Descoberta do Mundo, crónicas de Clarice Lispector.




Não me perguntem porque faço coisas assim, fotografar conchas translúcidas e ainda a cheirar a mar junto às palavras de Clarice. 

Mas, talvez, se vos mostrar algumas das palavras delas vocês consigam perceber-me.


Homem se ajoelhar

É bom. Sobretudo porque a mulher sabe que está sendo bom para ele: é depois de grandes jornadas e de grandes lutas que ele enfim compreende que precisa se ajoelhar diante da mulher. E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto das suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente. E ela pode fazer o seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo frementes e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.


Menino

- Mamãe, vi um filhote de furacão, mas tão filhotinho ainda, tão pequeno ainda, que só fazia mesmo era rodar bem de leve umas três folhinhas na esquina.


Palavras assim não pedem mesmo um par de asas do fundo do mar e conchinhas de madrepérola? 

*

Ainda cá volto. Até já.

5 comentários:

Anónimo disse...

Também ando a ler A Descoberta do Mundo.
Não resisto a transcrever o que penso poderia ter sido escrito por si, ou para si:

SABER ESCREVER

Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.

Passando às conchinhas, ainda tenho um frasquinho de vidro com o meu signo pintado onde guardo conchinhas minúsculas que apanhei na Ilha do Pessegueiro na hora da despedida.
É um pedacinho da minha vida que está ali dentro...

Claro que não lhe pergunto porque faz coisas assim, porque fotografa conchas sobre as palavras da Clarice, apenas lhe agradeço.

Um beijinho e uma bela sexta!

Antonieta

Anónimo disse...

Olá outra vez!

Como sabe o meu écran é minúsculo e escrevi o mail às 05:00h, ainda meio ensonada.
Adorei a foto do livro e não resisti a transcrever o texto que me pareceu ter tanto a ver consigo.

Agora às 09.00h, ampliando a imagem, descubro, perplexa, que escrevi precisamente um texto que está na fotografia.
É embaraçoso, é incrível, é fantástico, é sei lá o quê!
Nem sei o que pensar, é que o livro tem 693 páginas!!!

Resta-me apresentar as minhas desculpas a si e aos seus leitores.

Beijinho

Antonieta

Maria Eduardo disse...

Achei lindo este seu gesto carinhoso ao colocar as conchas sobre as palavras de Clarice onde ela se refere às conchinhas que guarda como se fizessem parte da sua vida...
Também fiquei emocionada com a coincidência do texto que a sua leitora acima transcreveu e o texto que escolheu e fotografou! Coincidências ou algo que não se consegue explicar, gostei que tivesse acontecido.
As conchas de madrepérola ou translúcidas ou beijinhos também me apaixonam, trago-as e guardo-as num grande frasco de vidro alto, dos meus avós. Estão ali conchas apanhadas em muitas praias, ao longo dos anos, muitas delas apanhadas ainda criança, quando me passeavam à beira mar, pela mão dos meus Avós e da minha Mãe.
Face a estas sublimes lembranças, o discurso que tomba cravos é mesmo assunto de secundaríssimo plano, como diz!
Um beijinho e bom fim de semana

Um Jeito Manso disse...

Antonieta,

Qual embaraço, qual quê...? Engraçado apenas.

Quando li a transcrição do primeiro texto, achei graça pois era o que eu estava a ler quando me deu a vontade de lhe colocar as conchinhas em cima e fotografar. Como se via mal na imagem, pensei que a Antonieta tivesse tido o cuidado de o transcrever para se ler bem.

Agora que sei que foi uma coincidência, acho extraordinário, maravilhoso. Fico contente com isso.

Quanto ao da Ilha do Pessegueiro ainda não o tinha lido. Eu leio ao calhas. Abro e leio. Noutro dia, abro e leio. Gosto mais de ler assim este livro (ou livros deste tipo).

Beijinhos e belas leituras!

Anónimo disse...

Isto hoje está mesmo engraçado!

O texto da Ilha do Pessegueiro é meu, referia-me à minha partida da Costa Alentejana e ao meu gosto por guardar conchinhas como recordação.

Mas foi mesmo giro estarmos a ler a mesma página da Clarice no mesmo dia!

Eu também leio este género de livros ao calhas.

Antonieta