sábado, dezembro 29, 2012

Sobre a Solidão - filosofia, psicologia, fotografia, música e poesia


Por estes dias, com a casa desatinada, um entra e sai com algum pó fininho à mistura, pouco mais posso fazer do que abrir a porta a quem toca à campainha, responder a uma ou outra pergunta relativa ao sítio exacto onde quero um projector, uma tomada, coisas assim. Só quando todos tiverem terminado é que se poderá limpar, pôr os móveis no sítio, arrumar.

A meio da tarde era para vir a turminha da (des)arrumação, pressupondo que as obras teriam terminado e que já haveria algum canto utilizável mas, afinal, com alguns extras, a coisa derrapou e só acabam amanhã. Ou seja, não puderam vir. Vinham talvez para dar uma ajuda, para lanchar, para estarem uns com os outros e, penso eu, também para me manterem acompanhada e ocupada (uma coisa de tipo terapia ocupacional pois acho que pensam que eu não consigo estar sozinha). 

Mesmo quando, este verão, estive em casa, recuperando das intervenções cirúrgicas, acho que não deve ter passado um dia em que não me arranjassem programa ou, se isso aconteceu, deve ter sido colmatado por  vários telefonemas. Às vezes pensava que à tarde ia conseguir pôr-me a ler um livro e deixar-me dormir, dormir uma bela sesta; mas, que me lembre, se isso aconteceu, deve ter sido coisa rara.

Não sei, pois, o que é solidão. Aliás, quase não consigo, sequer, saber o que é estar sozinha, sossegada. Estar sozinha, descansada, dispor do meu tempo e do meu espaço é coisa rara. Talvez também por isso goste tanto de ficar acordada até bem tarde, até à uma ou duas da manhã, senão mais. São momentos meus.

Mas já a solidão involuntária me parece coisa assustadora. Não gostaria nunca de experimentá-la.

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Música, por favor



Billie Holiday - Solitude

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No entanto, do que conheço da vida, apercebo-me que há muitas pessoas solitárias e que, aparentemente, não se esforçam por deixar de o ser. Recolhem-se dentro das suas casas, dentro de si mesmas, quase como se temessem que a quebra da sua solidão pudesse trazer-lhes males ainda maiores. E nota-se que a imagem de pessoas felizes, descontraídas, atenta contra a dormência em que se habituaram a viver ou, então, nota-se que isso as torna ainda mais tristes, sozinhas ou vazias.




Mas a solidão, não no sentido sofrido de isolamento, mas no sentido da imersão em si próprio, no que de mais íntimo existe em si mesmo, pode ser pacificador, ou pode ser um desafio.

Vem isto a propósito do interessante texto, Solidão, do blogue Homo Viator. Trancrevo uma parte: Estar só é entrar no segredo da nossa natureza e aceitar a nossa condição. Dizer que a solidão é a nossa condição tem a vantagem de mostrar que o solitário não é o produto de nenhuma decisão heróica, mas de uma conformação com aquilo que se é. Não há tragédia nem sequer drama na solidão. O que pode ser doloroso é o medo da solidão, a fuga perante a nossa natureza, a impotência perante o segredo que nos constitui e rumoreja no fundo de cada um.

Mas vem também a propósito de um interessante artigo da autoria de Kendra Cherry que, curiosamente li hoje   a seguir ao almoço (antes de ter lido o texto acima referido do Homo Viator), artigo que tem o nome de Loneliness - Causes, Effects and Treatments for Loneliness.

Este artigo é baseado na investigação de John Cacioppo, um psicólogo da University of Chicago e um dos mais proeminentes especialistas em solidão.

Nesse artigo leio que a solidão não tem a ver com estar-se sozinho mas, em vez disso, com a sensação predominante de se estar sozinho e isolado, distante.




Leio também que a solidão está fortemente ligada a aspectos genéticos.

Traduzo livremente o texto: há outros factores que contribuem, como os que têm a ver com a própria situação tal como o isolamento físico, a mudança para um sítio onde não se conhece ninguém ou o divórcio. A morte de algum ente querido também pode levar a que se sinta solidão. No entanto, a solidão também pode ser o sintoma de alguma desordem psicológica tal como a depressão. Pode também resultar de factores internos como, por exemplo, de uma fraca auto-estima. Pessoas a que lhes falta confiança em si próprias acreditam, muitas vezes, que não têm motivos de interesse para que os outros lhes prestem atenção ou dediquem, sequer, um olhar. Isto pode levar ao isolamento ou à solidão crónica.




Continuo a traduzir: A solidão tem uma série de efeitos negativos, quer a nível físico, quer mental. Alguns dos riscos de saúde associados incluem:

. Depressão e suicídio
. Doenças cardio-vasculares e enfartes
. Níveis acrescidos de stress
. Redução da memória e da capacidade de aprendizagem
. Comportamento anti-social
. Dificuldade em tomar decisões
. Alcoolismo ou outras dependências
. Progressão da doença de Alzheimer
. Alteração de algumas funções cerebrais

De um artigo do site Ciência Hoje, da autoria de Ana Margarida Nunes sobre a mesma investigação, leio que  a “solidão pode contagiar-se” mas também se pode tratar. O tratamento para a solidão pode passar por um aumento do exercício físico, por psicoterapia, por inclusão num grupo de voluntariado onde a pessoa se sente útil e pertencente a uma comunidade, partilhando interesses e atitudes que o valorizem. Passa também por aprender a desenvolver expectativas mais positivas, esperar o melhor e não a rejeição.




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Solidão. 
A multidão em volta 
e o pensamento à solta 
como alado corcel. 
E as ideias dispersas, em tropel, 
como folhas ao vento 
pétalas do Pensamento. 

Solidão. 
A angústia da Cidade, 
a impossível procura da Unidade, 
o clamor 
do silêncio interior, 
mais pungente, estridente, 
que os bárbaros ruídos 
que ferem, dilaceram 
os nervos e os sentidos. 

Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"


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Nós não Somos deste Mundo

Para a solidão nascemos. Outras vozes 
nos chamam e invocam, outros corpos 
se perfilam radiosos contra a noite. 
Nós não somos daqui. Num intervalo 
de campanhas esquecidas nos dizemos, 
abrindo o coração aos de passagem. 
Mas quando a manhã chega nós partimos, 
mais livre o coração, longa a viagem. 


Luis Filipe Castro Mendes, in "Os Amantes Obscuros"



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Que cada um faça a sua leitura, retire as suas ilações. Que todos estejamos atentos a quem precisa de ajuda, a quem precisa de um sorriso ou de um gesto de proximidade mas que todos respeitemos também quem aprecia o silêncio.

NB: As imagens foram obtidas na net e desconheço a sua autoria.

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No Ginjal, continuando ainda com os meus livros inacessíveis, optei por um vídeo com interessantes frases de Clarice Lispector. Para quem, como eu, é devota dela, é um best of muito interessante.

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Fui ao IKEA agora à noite e, por isso, cheguei a casa tarde e más horas. Pus-me a escrever isto e, como é costume, saíu-me um texto enorme. É tarde (como sempre) mas a questão é que estou mesmo cheia de sono. Por isso, apenas amanhã responderei aos comentários, agora não consigo mesmo, estou a escrever quase de olhos fechados.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado!

8 comentários:

Isabel disse...

Para quem escreve quase de olhos fechados, escreve muito bem! Mas isso já nós sabemos!

A solidão pode ser boa, mas pode ser muito dolorosa. Eu já senti as duas.
Às vezes não é por se ter muita gente por perto que nos sentimos menos sós. Sentimo-nos muito sós quando não nos sentimos compreendidos ou amados. Essa é a maior solidão.

A solidão física é uma coisa boa se formos nós a procurá-la, com a certeza de que se quisermos ter alguém ao nosso lado podemos chamá-lo. Triste é aquelas pessoas que estando também fisicamente sós, não têm ninguém para chamar. Essa é também geralmente a solidão dos velhinhos.

Um beijinho e um bom sábado

Isabel disse...

Gosto muito de ouvir a Billie Holiday.

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Atrevo-me a continuar os belos poemas
com que terminou o seu belo texto escrito no pó de sua casa:

SOLIDÃO

A solidão
alaga
de silêncio dorido
os caminhos interiores do pensamento
feitos vazio baço, sombra melancólica do nada.
Ardem
de um fogo apagado
os intervalos tensos entre as palavras não ditas
lugares do tempo esquecido,
com o sabor amargo do que partiu.
Silêncio
solidão
antecâmara do olhar distante
lago sem margens do presente
limite ousado de nenhum infinito.

um abraço

Mar Arável disse...

Tudo pelo melhor

por vezes sós

mas nunca isolados

Anónimo disse...

Está bem equacionado, aqui neste seu interessante Post,a questão da solidão. O que não é exactamente o mesmo de estar só. Há muita gente que vive feliz só, mas muita outra que vive uma vida triste em solidão. Conheço de perto um caso, de uma familiar, idosa, 86 anos, viúva há 13, que de forma nenhuma quer sair de sua casa, por sinal uma casa razoavelmente grande e ali vive só (já nem o cão tem a fazer-lhe companhia), num lugar (aldeia) afastada a cerca de 1 hora de Lisboa. Foi um processo gradual. Com o passar dos anos, foi, aos poucos, desinteressando-se do convívio social, de ler (lia com prazer), até mesmo de ter paciência para que as visitas se demorem tempo demais quando a vão ver. Tem, hoje, por única “companhia” a TV, coisa que há uns anos pouca importância ligava. E, desta forma, veio, talvez seja brutal dizê-lo, a embrutecer. Culturalmente, mas até na sua maneira de ser. Tornou-se mais brusca, algo indiferente aos outros, prestando menos atenção à sua higiéne pessoal, vivendo cada vez mais um mundo á parte. E preocupada com pequenas maleitas, já que grandes não tem, questões que antes ignorava. E a alimentar-se mal. Por preguiça, porque não quer saber. É uma degradação, de algum modo voluntária, ainda que não totalmente consciente, se tal é possível dizer, que vai sucedendo, apesar de todos os esforços dos filhos, ao que sei, de tentar contrariar tudo isso. Complicado. E triste. Sobretudo para quem a conheceu antes. E vê-la assim, agora. Mas também conheci no passado outros dois casos de gente idosa a viver só, que em nenhum momento reagiram assim. E apesar de viverem muito mais distantes, conseguiam com a sua alegria e simpatia, ter muitas vezes as casa cheias, de parentes e amigos que os/as iam visitar. As pessoas são diferentes, é certo. Mas o que leva uns a reagir negativamente quando passam a estar sós e acaba em solidão, e outros não, custa-me a entender. Por razões de ordem vária, profissionais incluídas, já vivi só e bem gostei. Bem sei que era mais novo. Mas, isto dá que pensar.
P.Rufino
PS: Estimada UJM, IKEA? Jesus! Fujo disso como Diabo da Cruz! Quem lá vai, quando calha, é minha Mulher (só, ou com amigas), agora eu...”jamais”. Chegou duas vezes, uma num país estrangeiro, outra cá. Não atino com aquilo. Não dá para o meu feitio. “Escolhe agora,recolhe depois, monta as peças a seguir, quando é o caso, ou transporta e aqui o preto a carregar (plantas, todo o tipo de bugigangas para a casa que só mulher gosta e compra – estou a ser machista? – roupa de cama, de cozinha, etc)". Venho de lá deprimido! Para mim, o IKEA pior que solidão. Venho de lá com as baterias em baixo. Dá-me neura! Um dia calhou-me ter de montar uma cama. Olhe, não sei o que fiz, mas a meio da noite “malhámos” com os costados no chão. E depois ter de voltar a montar aquilo, cheios de sono? Foi um sarilho, para além do pequeno susto! Deixámos entretanto de relatar esse episódio, pois colocavam-nos várias questões de como, a dormir a sono solto, “se quietos e sossegados”, poderia a cama ter-se desconjuntado. Realmente tem lógica.

MCP disse...

Querida Jeitinho,
Por vezes sentimo-nos sós mesmo acompanhados, por vezes sentimos solidão mesmo quando ela não existe.
O percurso de vida, os momentos que passaram e deixaram marcas, as más recordações que teimam em nos virem à memória mesmo quando não queremos.Tudo isso contribui para aquilo a que chamamos de solidão interior ou pior ainda, depressão.
Só quem tal sente poderá compreender.
Quase sempre tenho a companhia ou telefonemas dos filhos,almoços de família pelo menos uma vez por semana, mas a vida já me pregou muitas partidas que deixaram marcas irreparáveis.
Depois há aqueles momentos em que gosto de estar só...um livro é a melhor companhia.
Com dias de sol, de chuva ou apenas cinzentos, vou tentando viver o melhor possível.
As leituras dos seus textos têm sido uma boa ajuda.
Um beijinho.
MCP





Anónimo disse...

Cara UJM:
Acredito que a solidão, tal como a felicidade não é um estado de espírito fruto das circunstâncias da vida, é antes uma característica, uma capacidade íntima de cada um.
E depois há aquelas pessoas que, mesmo cansadas, com a casa revirada e já altas horas, escrevem textos assim, só porque leram um texto, um artigo sobre “solidão” e querem partilhar, e querem ajudar, e querem ser com...
Obrigada!
E tenha dias felizes!
Abraço amigo da
Leanor

Anónimo disse...

Sempre surpreendente, sempre oportuna!
Gostei muito da abordagem que fez ao tema da solidão.
Li atentamente os artigos que refere no seu post, todos eles bem interessantes.

Até aos vinte e muitos anos nunca tive oportunidade de estar sózinha.
Claro que tinha 'A room of my own' mas nunca estava 'Home Alone'!

Quando tive a minha casota apreciei duplamente a minha 'solidão voluntária', pois descobri que gostava/precisava mesmo de ter o meu espaço, os meus silêncios, o meu próprio ritmo, por exemplo, começar a ler um livro e acabá-lo às 4 ou 5 da manhã sem ninguém me pedir para apagar a luz...
Ou organizar os meus próprios 'ciclos de cinema' sem ninguém protestar!

Claro que tinha convívio e barafunda suficientes durante a semana, daí apreciar tanto estes momentos solitários.
Daí também os sonos trocados e as insónias! Lol!

Vou ficar por aqui, querida Jeitinho, desejando "já agora" que as obras terminem mesmo hoje, e que as estante do IKEA fiquem cheiinhas de novos livros!
Já viu que estão vários dos seus livros/autores nos 20+ do ipsilon?

Boas entradas em 2013, sem poeira e com muito amor e alegria!


Antonieta