domingo, outubro 14, 2012

Cavaco Silva invoca Lagarde e Blanchard (do estado-maior do FMI) para tirar o tapete a Passos Coelho... no Facebook. Desautoriza, ridiculariza, enfraquece o Governo para ver se a coisa se resolve sem ele ter que se maçar. Pode ser que tenha sorte mas esta forma de actuar é bizarra, não acham? E, em adenda, falo da questão da dívida que é uma questão fictícia, do foro da falsa moral.




Como tem sido sobejamente noticiado, Cavaco Silva escreveu no Facebook mais um dos seus desabafos ou ínvios recados. Passo a transcrever (os destaques são meus):

Durante a reunião anual do FMI, em Tokyo, a Srª Lagarde, Directora-Geral da instituição, e o seu economista chefe, Sr. Blanchard, a propósito dos processos de consolidação orçamental na zona Euro enunciaram uma orientação que ontem fez notícia na imprensa internacional e que, vindo de quem vem, esperemos que chegue aos ouvidos dos políticos europeus dos chamados países credores e de outras organizações internacionais. Trata-se de um ensinamento elementar da política de estabilização, que eu próprio várias vezes tenho referido, e que, em linguagem simples, se pode traduzir do seguinte modo: nas presentes circunstâncias, não é correto exigir a um país sujeito a um processo de ajustamento orçamental que cumpra a todo o custo um objetivo de défice público fixado em termos nominais.

Devem ser definidas políticas que garantam a sustentabilidade das finanças públicas a médio prazo e deixar funcionar os estabilizadores automáticos. Se o crescimento da economia se revelar menor do que o esperado, o défice nominal será maior do que o objetivo inicialmente fixado, porque a receita dos impostos é inferior ao previsto e as despesas de apoio ao desemprego superiores

Assim, Blanchard conclui que"nem por isso se deve impor a adoção de medidas orçamentais adicionais, o que tornaria a situação ainda pior"


Não percebo esta forma de actuar por parte do Presidente da República. Escrever no Facebook depois de ter deixado passar a oportunidade do discurso do 5 de Outubro parece-me uma escolha abstrusa. 

Quer Cavaco Silva, na dele, levantar o País contra as opções do Governo. Não é a primeira vez que o faz. Foi assim, tirando o tapete ao Governo Sócrates, que a queda deste se precipitou. Agora está a usar a mesma estratégia. Dá ideia que não quer mexer uma palha para resolver a ridícula situação de termos o País, num momento tão crítico, entregue a um bando de incompetentes encartados. Dá ideia que pretende que o Governo seja submerso por uma onda de indignação e de descrédito em vez de ser ele, no âmbito das suas responsabilidades, a tomar as decisões que se impõem.. 

Neste caso concordo com o que ele diz no Facebook e concordo que este Governo merece um repúdio absoluto e irreversível. 

Ainda estávamos em 2011 e já eu chamava a atenção para os alertas de Blanchard. Estranhamente, nessa altura, esses avisos parece que caíram em saco roto. Mas, enfim, mais vale tarde que nunca.

Agora acho é estranha esta forma de Cavaco Silva actuar (ou melhor, para ser sincera, não acho nada estranho pois Cavaco Silva sempre foi assim).

Mas não seria mais lógico demitir o governo, de imediato nomear um outro que seja aceite parlamentarmente e pôr-se a caminho das instâncias internacionais ao mais alto nível, para abrir caminho para uma rápida revisão do memorando da troika em vez de andar por aí a 'mandar bocas'?

Eu acho que sim.

Uma palavra para as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa na sua prelecção dominical na TVI com a Judite de Sousa. Canhestramente inventou para ali umas situações em que um governo de iniciativa presidencial se veria atrapalhado para se impor. Nonsense. Gente capaz, com apoio parlamentar, e com o suporte de Cavaco Silva resolve esses e outros problemas.

O que é importante, crítico, crucial, é que tenhamos urgentemente à frente do País um grupo de gente competente e experiente, gente culta, gente que siga princípios democráticos, humanistas, gente que saiba pensar e fazer contas, gente com bom senso - não é preciso muito mais. Talvez apenas paciência, devoção, disponibilidade.

De resto, acho que toda a gente, quase sem excepções, apoiaria e agradeceria uma opção desse tipo.

Em primeiro lugar o PSD que, de aqui para a frente, a manter-se este governo em funções, irá de derrota em derrota eleitoral, correndo o risco de um rápido esvaziamento. Vejam-se os resultados de hoje nos Açores.

Em segundo lugar o CDS que, de aqui para a frente, a manter-se este governo em funções, irá de derrota em derrota eleitoral, correndo o risco de um rápido esvaziamento. Vejam-se os resultados de hoje nos Açores.

Em terceiro lugar o PS que, nesta altura, não tem o partido todo solidamente em torno de António José Seguro. O Seguro é muito melhor que Passos Coelho mas falta-lhe punch e um líder sem punch é uma chatice.

Em quarto e em quinto lugar o PCP e o BE que sentem que, com mais tempo, poderão formar uma coligação que vá a jogo nas próximas legislativas. 

E, sobretudo, é bom para o povo português que não merece estar na indigna situação em que se encontra de ver vilipiendiados todos os seus direitos, sem um mínimo de respeito ou simples consideração.

*

Uma palavra sobre a questão da dívida, e sobre o que se diz por aí:  temos que pagar a dívida, e a culpa da dívida é do Sócrates, e se não houvesse tanta dívida não estávamos nesta situação de aumentar os impostos.

Tudo errado.

Temos que pagar a dívida, claro, mas de uma forma que possa ser paga. Acontece em quase todas as organizações do mundo: quando se quer realizar um investimento cujo resultado só está operacional uns anos depois, é normal recorrer a dívida para fazer face às despesas, dívida essa que apenas começa a ser paga uns tempos depois, quando houver proveitos para isso. E há também as dívidas para cobrir não investimentos mas défices de tesouraria operacional (os clientes pagam depois de ter recebido o produto mas as empresas têm que pagar muito antes as matérias primas que compram e os ordenados aos trabalhadores). Ou seja, por uns motivos ou por outros é normal haver um desfasamento entre o cash in e o cash out, diferencial esse que frequentemente é suportado por dívida. 

Toda a dívida tem custos, encargos financeiros. Pode, numa fase de menor desafogo, pagar-se só juros e só depois amortizar a dívida. Ou podem os juros capitalizar e pagar depois, junto com as amortizações. Isso é gerir a dívida e gerir a dívida é uma das muitas actividades correntes de qualquer organização.

O que é impensável é ter numa organização alguém que faça questão de pagar a dívida num curto prazo, canalizando as verbas para isso, não pagando a fornecedores ou aos empregados. Isso mataria as organizações em três tempos - e é isso, exactamente isso, que está a acontecer em Portugal.

O que há que fazer é o contrário do que está a ser feito: é renegociar o pagamento da dívida, aliviando o curto prazo para não estrangular a economia, quer amortizano-a em mais tempo, quer projectando o pagamento de juros para melhores alturas, etc. 

E deve ainda rever-se a questão dos juros.

Ainda a semana passada, Christine Lagarde referiu outra realidade incontornável: os países fortes pagam juros a cerca de 1% enquanto Portugal paga cerca de 4.5%. Ora este diferencial é brutal, especialmente para uma economia que não gera excedentes para amortizar a dita dívida. Um país pode pagar dívida a juros que não sejam superiores à soma da inflação com o crescimento. Ora some-se o valor da nossa inflação com o do crescimento (que é negativo e, logo, subtrai) e veja-se o que poderíamos pagar... Como o que nos é exigido são verbas a que não podemos fazer face, toda essa verba vai acumulando à dívida que não pára de engrossar como uma imensa bola de neve. 

Depois de renegociar a dívida,o que há a fazer é injectar dinheiro na economia (o dinheiro que devia ir para a amortização da dívida, fundos disponíveis, investimento estrangeiro, redução da carga fiscal, etc).

Com a economia a funcionar, haverá menor desemprego e, logo, menos verbas alocadas aos subsídios de desemprego e haverá maior receita fiscal (porque a economia deixará de estar paralisada como agora).

Estou a ser simplista porque aqui não poderia ser de outra forma mas estas são as linhas gerais. Parece fácil - e é! 

3 comentários:

ERA UMA VEZ disse...

Que saudades de Jorge Sampaio, da sua postura de homem de Estado que pensa "o depois de amanhã"

E já agora, a coragem.
Se ele lá estivesse, alguma decisão já teria sido tomada.
Por muitíssiiiiiiiiiiiiiiiiiiimo menos, o Santana foi à vida.

Há momentos assim. Deve ser dos astros.

Um Jeito Manso disse...

Olá Erinha,

Tem razão. O governo de Santana Lopes era genial ao pé deste governo...

Aliás Sampaio tem sido muito claro nos conselhos que tem dado a Cavaco Silva: 'mexa-se!'

Mas tal é a onda de desagrado e indignação que acredito que alguma coisa acontecerá.

Um abraço, Erinha!

Anónimo disse...

A bizarria de Cavaco em dar a conhecer ao mundo as suas preocupações via “Face-Book” é extraordinária!
Em vez de puxar as orelhas ao PM em privado (e obriga-o a ceder) ou dar-nos, a nós portugueses, a conhecer os seus pensamentos, escolhe a via da rede social!
Aquando daquela treta dos Açores, aqui há uns anos optou então pelo microfone. Por que não agora? Aquela era um assunto menor, mas fez parar o País. Agora hesita e prefere o caminho pouco frontal...de retirar o tapete devargarzinho.
Falta-lhe a coragem de Sampaio quando correu por razões menores, mas nem por isso suficientes, Santana por “indcente e má figura”.
Resta-nos a esperança que este inaceitável orçamento ou não passe ou seja revisto. Ou, melhor, que tudo isto, Governo, Coligação, Orçamento, vá à vida e se recomece de novo, recauchutando o dito orçamento. Com um novo governo que pode muito bem ser de iniciativa presidencial. Com gente de bem e bem intecionada. Que há por aí, basta procurar.
MRS é um manipulador que não aprecio. Faz-se azia!
Boa semana!
P.Rufino