domingo, agosto 12, 2012

O tempo que passa: para mim que um dia fui jovem, para o meu pinheiro que cada vez está mais bonito, para as belas mulheres velhas de Graça Morais e para Celle qui fut La Belle Heaulmière


Música por favor


Rapsódia sobre um tema de Paganini, composta por Sergei Rachmaninoff


Eu era ainda muito nova quando descobrimos este nosso lugar in heaven. Sendo eu de me rir muito, sempre tive algumas rugas de expressão mas, de resto, a minha pele era ainda muito lisa. Não tinha um único cabelo branco pois apenas recentemente começaram a aparecer. A minha carne era firme e vejo pelas roupas que vestia na altura que era delgadinha. Os meus filhos diziam, nessa altura, que as mães dos colegas não eram tão novas como eu, chegaram a dizer-me que eu quase nem parecia uma mãe.

Já aqui o contei: aqui havia apenas mato e pedras. Desbastámos o mato, aparámos arbustos que vieram a transformar-se em árvores, fizemos caminhos, criámos os nossos recantos e, aos poucos, este tornou-se o nosso espaço. Na altura plantámos muitas pequenas árvores. Íamos comprá-las aos viveiros do Ministério da Agricultura e da Câmara de Lisboa pois vendiam-nas pequeninas, quase pequenos rebentos, um palmo de árvore, e isso tinha duas vantagens: eram muito baratas e, sendo a terra toda pedregosa e muito difícil de cavar, sendo elas tão pequeninas, bastaria uma pequena cova para as plantar. Muitas morriam e nós sempre repondo, sempre, e muitas não vingando, e nós persistindo. Mas algumas vingaram. Tratámo-las com o desvelo com que se tratam pequenas crias, dando-lhes o comer à boca. Levávamos-lhes água, amparávamo-las, protegíamo-las dos coelhos que roíam os caules finos e indefesos. 

Os meus filhos, com a impaciência dos jovens adolescentes, diziam nessa altura, Tanto trabalho e elas tão pequenas; quando as árvores forem grandes já vocês são velhos.

Eu repetia-lhes uma frase que tinha lido, A verdadeira sabedoria é plantar árvores à sombra das quais nunca nos sentaremos. Mas, porque não sou tão pessimista assim, acrescentava que, de qualquer maneira, acreditava que quando eles crescessem já as árvores estariam grandinhas e que, quando tivessem filhos, já eles poderiam brincar à sombra delas.



Sobre esta pequena grevílea já aqui falei repetidas vezes: nasceu de uma outra,
grande, que se quebrou num dia de ventania e que foi cerrada, dada como morta.
Tempos depois, para nossa surpresa e alegria,
despontou um pequeno rebento que temos acarinhado
e que, como uma criança pequena, cresce a olhos vistos.
Tem a beleza inocente da infância, da juventude.


Assim é com algumas das árvores. Algumas, talvez porque aí a terra tem mais pedra ou porque apanham menos sol, ainda não medraram bem. Mas outras estão enormes. Há pinheiros muito altos, imensos, frondosos, que dão uma sombra fresca e cheirosa. E já nasceram pequenos pinheirinhos, espontaneamente, filhos dos pinheiros grandes. Gosto destes grandes pinheiros como de pessoas. Em especial gosto de um deles, por ser grande, belíssimo, por dar muitas pinhas, pelo sítio em que está. Dá uma sombra abrigada, o chão cobre-se de caruma loura, as pinhas tombam, úteis, e de tarde os meus filhos, agora jovens adultos, levam para lá as suas crianças que gostam de brincar sob os seus braços amistosos.



. O tronco junto a um chão atapetado de caruma do meu amado e enorme pinheiro .


Mas neste meu pinheiro eu vejo o tempo que passa, que passa por mim também. A sua pele tem rugas, rugas fundas. A minha pele tem agora mais algumas rugas (felizmente não muitas, acho eu). Mas o avanço do tempo é inexorável e eu vejo que a firmeza da minha carne já não é a que era quando plantei este pinheiro.

E parece seca a pele deste meu pinheiro.



.      Parte do tronco visto de baixo, vendo-se o céu através dos ramos e das pinhas .


A pele descarnada, quase escamada, mostra bem a erosão do tempo na sua carne. Eu hidrato a minha pele, tenho esse cuidado, mas não me preocupo muito nem disfarço a minha idade. Tenho orgulho na minha idade.

Olho o meu pinheiro enrugado, descarnado, olho-o com compreensão, com ternura. É isto a fraternidade. Olho-o e vejo-o tal e qual ele está. E, no entanto, quanta beleza. Olhando para ele vejo, maravilhada, o efeito do tempo que passa. Elevando-se para bem perto do céu, cheio de vida, longos braços que acolhem quem a ele se chega, braços ainda carregados de sementes que transportam a vida para outras gerações, assim é o tronco deste adulto maduro que me tem acompanhado. Encaramos de frente e com orgulho o tempo que se detém quando estamos juntos.


Gosto de ver o efeito da idade nas pessoas. Gosto de ver as pessoas tal e qual são, maduras ou velhas, que trazem a vida marcada no rosto. Pelo contrário, acho quase patéticas as pessoas que se esticam, que se injectam para aumentar o volume das maçãs do rosto ou o volume dos lábios, que se cobrem de base espessa, que quase não riem para que as rugas não fiquem mais visíveis, que se pintam excessivamente para fazerem de conta que o tempo não passou. Sinto uma certa pena quando vejo homens que pintam o cabelo (nas mulheres acho admissível e, até, recomendável) ou que se esforçam por disfarçar a falta de cabelo. 

*

Música, de novo, por favor
(caso a anterior já tenha acabado)


Chopin, Prelúdio Nº4 - interpretado por Sergio Tiempo

*


Uma das mulheres retratas por Graça Morais, a pele enrugada e vivida como a do meu pinheiro


Um jovem pode ser belo, ter a frescura de uma vida que se está a desenhar, pode conter a atracção do que é efémero. Mas prefiro a beleza já madura de alguém que acrescentou textura, espessura à sua pele, sabedoria à sua vida, que viveu histórias, alegrias, tristezas, nascimentos, lutos, que perdeu arrogância e deixou, para trás, as certezas.



Mais uma mulher de Graça Morais (ou a mesma?).
O tempo passa, e, um dia, vai extinguir-se.
As árvores morrem de pé, tantas vezes aqui o tenho visto.
Mas o percurso da vida é, ele próprio, cheio de beleza. O tempo é um escultor, sem dúvida.


Ver estes rostos, ouvir as suas palavras, olhar os olhos que se amaciam e humedecem é, para mim, ver, de perto, a beleza na sua essência, a beleza na sua verdade (e uso estas palavras com respeito pois não sei dizer, com honestidade, o que é a beleza nem o que é a verdade, mas, com a reverência humilde de quem pisa terreno sagrado, ouso juntar a beleza e a verdade para me referir a pessoas de idade, orgulhosas, dignas, íntegras). 

Para terminar, pela segunda vez, trago a Um Jeito Manso uma das esculturas que, até hoje, mais me marcaram. Não é um corpo esbelto, não é um rosto perfeito, não é uma posição artística. É o corpo sentado, cansado, caído, seios pendentes, cabelo sem vida, de uma mulher que, na altura em que posou, tinha mais de 80 anos e que, um dia, tinha sido uma bela mulher.

Quando, há muitos anos atrás, era eu então muito jovem, vi pela primeira uma exposição de obras de Rodin, obras de incrível beleza, foi perante esta que parei, emocionada. Uma obra de bronze e não de sumptuoso mármore branco, uma obra de pequenas dimensões (mede apenas 50 cm). A ela deu o autor o nome de Celle qui fut la belle heaulmière.



Também designada, e agora em língua inglesa, She Who Was the Helmet-Maker's Beautiful Wife,
Rodin esculpiu em bronze o corpo decadente de uma mulher que foi bela.
E, no entanto, que extraordinária beleza, a deste corpo esculpido e que mulher fantástica esta, que assim, se deixou reproduzir


Depois dessa primeira vez, já procurei La Belle Heaulmière por mais duas vezes e, por mais duas vezes, parei, emocionada, emudecida, em frente deste belo corpo descarnado. 

O tempo vai passando por mim, a minha pele vai adquirindo algumas rugas, a carne do meu corpo vai perdendo a tonicidade, vejo mais cabelos brancos, especialmente junto ao rosto. Talvez um dia eu venha estar como ela, a mulher de idade que um dia foi bela. Será bom sinal, será sinal que viverei muitos anos, que terei muitas histórias no meu coração, muito orgulho e dignidade, muitos sonhos cumpridos e, espero, ainda alguns por cumprir.

**

[Escrito depois de ler aqui, no Homo Viator, o belíssimo poema 'O perdido poder de te ressuscitar']

*
E, por hoje, é isto. 
Desejo-vos um belo domingo e que aproveitem bem o tempo que passa.

12 comentários:

Alice Alfazema disse...

Olá, UJM!
Também gosto muito de árvores, e muitas vezes penso nas histórias que elas conhecem daquelas que foram testemunhas, ultimamente tenho pensado no tempo que já passou e sinto o meu corpo envelhecer, no entanto isso não me afecta, não quero pintar o cabelo, apesar de por vezes me falarem sobre isso, aprecio as pessoas que não têm vergonha da sua idade, aprecio especialmente essa sabedoria. Gostei desta sua escrita.
Um abraço.
Bom domingo.

Homo Viator disse...

Muito obrigado pela ligação ao poema e também pelo seu belo texto. E estou completamente de acordo consigo. Há duas coisas que acho insuportáveis na mulher que envelhece (e também no homem). Em primeiro lugar, o descuido, o desprezo pelo seu corpo. Em segundo lugar, esse recurso ao disfarce através de técnicas cirúrgicas, esse querer não ser o que se é... Bom domingo.

A Matéria dos Livros disse...

Olá!

Muito interessante todo o texto, tanto pelos temas como pela forma como os aborda: a vivência do tempo, o corpo e esses espelhos enigmáticos que são as árvores. São símbolos cósmicos, que conciliam vários planos, tanto o mais elevado dos céus, como o mais profundo das águas ou da terra. Combinam consigo. O seu pinheiro, um "alter ego", em expansão no espaço e no tempo...

Também combina com a imagem de si o suave envelhecimento, com algumas rugas de rir, e não das navalhas do tempo.

É belíssima a escultura de Rodin, que não conhecia. Admiro tanto a dignidade que existe na aceitação da velhice, que não é mais do que a aceitação da morte. O mais difícil. Por isso compreendo e procuro ser branda (a maior parte das vezes falhando) com aquelas que se demoram em tardias maquilhagens, toilettes, ou ridículos enchimentos da pele caída.

Isabel disse...

Gostei muito do seu texto e gostei do poema, que já fui ler.
Custa envelhecer, mas sendo inevitável, devemos fazê-lo com dignidade, sabedoria e alegria, porque não?...se é sinal que estamos vivos!
Nunca faria uma operação plástica apenas por motivos de estética. Só por uma questão de saúde se a isso fosse obrigada.
Felizmente também não sou das pessoas que têm mais rugas (acho) e não tento disfarçar as marcas da idade.
Espero continuar a saber envelhecer.

Um beijinho e bom resto de domingo.

jrd disse...

Como diria Nicolas Guillen:
"Qué vida la que vivimos en estos años de muerte".

Talvez por isso seja preferível viver como se tivéssemos duas vezes trinta anos, em vez de sofrer porque temos sessenta.

Abraço

Maria disse...

Olá Amiga:
Adorei este texto. A comparação entre mulher e árvore, é linda e certa.
Gostei do poema, gostei das mulheres da Graça Morais, da escultura de Rodin, que adoro.
Bom Domingo in heaven.
Abraço grande
Mary

Um Jeito Manso disse...

Olá Alice rodeada de Alfazema,

Muito obrigada pelas suas palavras.

Já tinha reparado, pelo que vejo na sua Alicinha, que a Alice é também adoradora da natureza e isso é mais do que um gosto, é um estado de espírito, uma maneira de ser.

Até há bem pouco tempo eu não sentia o tempo a passar mas isso devia ser por andar sempre a pensar em coisas para fazer, sempre ocupada (com trabalhos e com ideias), sempre 'na boa'. Mas há pouco tempo fui forçada a perceber que o corpo tem vontade própria e não que isto que tive tenha sido coisa da idade mas, seja como for, aconteceu, obrigou-me a uma cirurgia, a uma anestesia, a uma recuperação e a todas essas coisas para as quais eu não estava preparada e que nunca me tinha ocorrido que me pudessem acontecer.

E, apesar de não ser coisa de especial gravidade, nestas alturas percebe-se que há limites à nossa vontade, há coisas que deixam de se poder fazer e isso fez-me antever o que serão as limitações da idade, das doenças. Pela minha maneira de ser, isso não me fez ir abaixo mas é uma coisa chata e acho que vou começar a mentalizar-me que isso um dia vai passar a ser assim - e, por isso, há que aproveitar a vida enquanto se tem saúde, mobilidade, boa cabeça.

Quanto ao aspecto físico, eu gosto de me arranjar, de pôr uma sombra nos olhos, um rímel, um baton. Gosto de me arranjar quando saio à rua. Tudo muito discreto mas, seja como for, gosto de uma produçaozinha. Desde a minha adolescência que o faço. Quanto ao cabelo, acho que quando ainda é pouco cabelo branco e passa por ser umas madeixas, especialmente se o cabelo é claro, não valerá a pena estar a pintar. Mas se o cabelo é escuro e os cabelos brancos já se notam, então acho que, geralmente, o cabelo grisalho envelhece um bocado e, aí, eu acho que pintava. No entanto há grisalhas, ou quase 'brancas', elegantérrimas como é o caso da Christine Lagarde. Tudo tem a ver com o conjunto, acho eu, e tudo tem a ver com a maneira de ser, com o sentir-se bem com o aspecto e de se sentir que o aspecto físico está de acordo com a ideia que se tem de si própria.

Uma coisa que eu, por exemplo, abomino é ver-me muito penteada, com um penteado convencional. Geralmente sou eu que corto o cabelo a mim própria e lavo e ele seca ao ar (tenho muito cabelo pelo que suporta tudo, disfarça se não estiver lá muito bem cortado).

Mas se, por alguma circunstância (como casamento ou baptizado) me sinto quase compelida a ir ao cabeleireiro, chego a casa e acho que aquele cabelo me põe mais 10 anos em cima. Começo logo a despentear-me a ver se disfarça, a ver se me sinto eu.

Um beijinho e um bom dia, Alice rodeada de Alfazema!

Um Jeito Manso disse...

Olá Homo Viator,

Muito obrigada, eu.

Mulheres e homens 'gaiteiros' são uma coisa que facilmente descamba em ridículo. As pessoas mudam de feições, impossível que se reconheçam quando se vêem ao espelho.

Mulheres e homens envelhecidos (especialmente quando passam a vida a dizer 'no meu tempo', como se já tivessem deixado de viver), sem alegria de viver, (des)arranjados como uns velhos, são uma coisa triste de observar.

Deve haver uma sintonia entre a maneira de ser e o aspecto físico e deve haver sempre (digo eu) um certo brio, uma certa vontade de se estar bem e de agradar (nem que seja a si próprio).

E deve saber apreciar-se a beleza em todos os seus estádios. Há a beleza da inocência e da frescura mas há também a beleza da maturidade e há a beleza, mais rica, de uma vida longa.

Cada vez mais acho mais interessantes e mais belas as pessoas que já não são muito novas.

Na natureza acontece-me o mesmo: prendo-me a uma árvore com um caule grosso, com a casca enrugada, como o pinheiro que mostrei, a uma pedra erodida pelo tempo. Ou prendo-me a uma parede mil vezes pintada e riscada, batida pelo vento e pelo tempo (como as paredes do Ginjal, uma das quais visível na fotografia que hoje coloquei a encabeçar o meu 'Ginjal e Lisboa').

PS: Poderia um jovem com vinte e tal anos escrever poemas como os que escreve?

Uma boa semana, com muita inspiração!

Um Jeito Manso disse...

Olá Leitora Marinha de A Matéria dos Livros,

Gostei muito de ler as suas palavras e essa do pinheiro ser o meu alter ego é das coisas mais extraordinárias que já ouvi e agrada-me como nem imagina. Tantas vezes que aqui tenho falado dele e isso nunca me tinha ocorrido mas nem sabe como a ideia me agrada. Quanto mais penso mais razão lhe dou e mais encantada fico. Desde que li este seu comentário a ideia não me sai da cabeça. Acho que tem razão, a vida e o comportamento daquele pinheiro quase se confunde com os meus.

Já li o seu muito bem elaborado e desenvolvido texto (e agradeço o link para o meu). Conheço a realidade das praias do Oeste. Gosto muito de lá ir no Verão. Este ano, dado que o acesso obriga a muitas escadas e geralmente há rochas, ainda não fui lá (aliás, este Verão, ainda não fui a nenhuma praia, excepto as vezes que fui antes de Julho). Mas surpreendo-me muito por ver tantas mulheres tão gordas - e todas no maior dos à vontades. Acho muito bem. Mas também acho que não é muito saudável nem muito estético ter muitos quilos a mais - mas isso é outra conversa.

Mas essas praias, apesar das liberdades que refere, são muito praias de família, frequentemente famílias inteiras e onde há muita gente. Gosto das praias em si, gosto muito, e gosto de ver o ambiente e gosto de lá ir quase a passeio, e gosto de almoçar umas belas sardinhas nos restaurantes por cima das praias; mas, como praias em si, para férias de praia, prefiro as praias quase desertas do sudoeste, aquelas em que o mar e o sol são todos, por inteiro, para os nossos corpos.

Coloca no seu texto uma questão sobre as avós e eu a ver se lá vou comentar mas, entretanto, comento já um pouco aqui. Eu casei muito nova, tive os meus filhos cedo e eles foram pais, não tão cedo quanto eu pois tiveram o primeiro já eu tinha tido os dois, mas também relativamente cedo. Ou seja fui mãe nova e agora já tenho 4 netos e ainda não me vejo como 'avózinha'. Mas a minha condição de mãe ou, agora, de avó nunca condicionou a minha condição de mulher. E o tempo não abalou nem deteriorou (digamos assim) essa condição. Digo-lhe, até, que me acho hoje mais mulher (ie, mais feliz e mais confiante com a minha condição de mulher) do que era aos 20 ou aos 30

Continuou a ter gosto no meu corpo como tenho desde que me conheço.

Em simultâneo fico feliz com o corpo jovem e muito elegante da minha filha, assim como, daqui por uns anos terei orgulho no da minha neta. Vou muitas vezes às compras com a minha filha, escolhemos toilettes uma para a outra, ajudamo-nos mutuamente no 'styling'. Gosto que ela use vestuário que valorize o seu corpo e acho que o deve fazer enquanto tem idade e corpo para isso. Usamos muitas vezes roupa idêntica mas é claro que se ela pode usar uma saia muito curta ou uma blusa quase transparente, isso eu já não uso. Não olho o corpo dela com nostalgia, nem pensar, olho com orgulho mas também não olho o meu com pena de já não ser igual ao dela (aliás nunca o foi, ela é bem mais alta e 'vistosa' do que eu).

Quanto a aceitarmos o avançar da vida sobre nós, aceitando bem a idade e as suas manifestações, isso faz parte de uma serenidade que, acho eu, é saudável. Mas já a morte me assusta. Talvez nem tanto a minha mas, muito, a daqueles que amo. Isso é uma coisa em que nem quero pensar. E, no entanto, faz parte do mesmo processo. Mas aí é um dos meus pontos (muito) fracos. A ideia da separação e da separação irremediável é, para mim, uma coisa muito assustadora, que, isso sim, me rasga por dentro.

Bom, já escrevi demais (... é outro dos meus pontos fracos: escrevo demais...)

Continuação de boas férias, Leitora!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Eu, na minha cabeça, não acho que esteja a envelhecer mas, apenas, a ter mais idade. Gosto de ter mais idade, gosto de estar viva mas não sinto que esteja a ficar velha. Penso que tem a ver com a minha maneira de ser, sou muito interessada na vida, em descobrir coisas novas, em experimentar. Motivo-me muito facilmente, animo-me facilmente, gosto imenso de conviver com gente nova e, por isso, não sou dada a conversas 'de velha'.

No entanto, pode acontecer que os outros olhem para mim e digam 'Shiiiiii... que velha que ela está....'.

Eu, pelo que se vê da sua fotografia, também a imagino com ar ainda bem jovial. E sobretudo tem muito a ver com a maneira de ser. Uma pessoa sorumbática, soturna, apagada, ensimesmada, parece logo mais velha. Eu, a si, imagino-a bem disposta, interessada na vida, ainda muito menina.

Uma coisa é andar de mini-saia justa e curtinha, barriga e umbigo ao léu, melenas louras pelo meio das costas, olhos arregalados e botox nas beiçolas aos 60 anos e outra é andar feliz e jovial seja em que idade for.

Um beijinho, Isabel, e um dia cheio de alegria para si!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Inteligentes palavras as suas. Não conhecia a citação que refere. Gostei.

E tem razão: se a vida à nossa volta é uma lástima, então que a vida que vivemos dentro de nós próprios seja de alegria, de celebração.

Na conta que farei terei que baixar ligeiramente as parcelas mas, seja como for, essa sua ideia é excelente. Nunca tinha visto as coisas dessa forma mas acho a ideia excelente. E, pensando bem, acho que é assim que vivo a minha vida, como se tivesse duas vezes vinte e tal anos, feliz duas vezes, entusiasmada duas vezes, motivada duas vezes. Pode, por vezes, uma metade de mim vacilar mas logo a outra metade puxa e logo a coisa se compõe.

E não é assim que o Manuel Oliveira ainda pensa também? Aos 103 anos e ainda com filmes em carteira, com projectos em curso. Desse até pode dizer-se que é em triplo, aliás, mais do que o triplo de 30 anos.

Obrigada pelas suas palavras. Já aprendi consigo não apenas a frase referida como essa ideia, de viver como se tivéssemos duas vezes a idade de todos os futuros.

Um abraço, jrd, e uma bela semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá Querida mary,

Que bom vê-la de novo por cá, que bom!

Já li, no seu blogue, as suas aventuras lá pelo Posto de Saúde. A mim aconteceu-me a semana passada uma coisa também com graça. A médica de família que me atribuíram foi simpática, atenciosa, tudo muito bem. Mas o consultório era no 2º andar. Ora o prédio só tem um elevador e o elevador está fora de serviço. Olhei para as escadas sem querer acreditar. Eu... no estado que era o estado que me levava lá... a ter que subir, e depois descer escadas, até ao 2º andar...?

Mas depois vi uma velhota, muito velhota, com canadianas, amparada por outra e mal cabiam as duas nas escadas de tal maneira são estreitas, e eu a ver que vinham as duas escadas abaixo... e pensei, 'Santíssimo sacramento! Como é possível uma coisa destas? ... Mas se aquela senhora, muito pior que eu, consegue, eu também hei-de conseguir...' E lá fui. Mas imagine. Acho que não têm dinheiro para mandar arranjar o elevador. O que vale é que a consulta era no 2º andar. Imagine se era no 5º....

Isto está mesmo de mal a pior...!

Mas, enfim, o que é importante é que a Mary já por aqui anda e eu fico muito contente. A Mary, uma árvore, forte, rija!

Um beijinho, Mary, e vá voltando que eu ando cheia de saudades dos seus comentários sempre tão directos, tão bem dispostos (ou, às vezes, rezingões mas sempre com a sua graça tão natural)!

Um belo dia para si, Mary!