sexta-feira, junho 10, 2011

Alfred Stieglitz e Georgia O' Keeffe, fotografia, pintura, amor, escrita - a arte dos relacionamentos virtuosos

Alfred Stieglitz (1864 –1946) era para mim essencialmente o marido fotógrafo de Georgia O’Keeffe (vidé post anterior), pintora de que já aqui falei várias vezes.

No entanto, não foi apenas isso. De facto, foi um fotógrafo genial mas também autor de numerosos artigos, editor e promotor de arte moderna tendo gerido várias galerias nas quais divulgou numerosos artistas, fotógrafos e pintores.

Apesar de ter profusa e exigente formação académica em áreas diversas, entre as quais engenharia, grande parte dela adquirida na Europa, o seu interesse começou a concentrar-se na fotografia, adquirindo valiosa biblioteca e cedo escrevendo artigos relacionados com fotografia.

Enquanto na Europa, começou a participar em concursos fotográficos, ganhando prémios e consolidando o reconhecimento pela sua obra, conseguindo, sem esforço, ser publicado em várias revistas.

Entretanto, por razões familiares é chamado de volta à família e regressa a Nova Iorque em que, considerando-se já esencialmente um fotógrafo, inicia um negócio de fotografia em que a qualidade é tal que os custos são tão elevados que não consegue ter lucro. Aliás, esta forma de estar, será uma constante: qualidade extrema, prejuízos permanentes.

Venetian Canal - Alfred Stieglitz, 1894

Mas a escrita é também uma pulsão e continua a escrever artigos, agora para a revista The American Amateur Photographe, enquanto continua também a ganhar os concursos de fotografia em que participa. Em pouco tempo é bastante conhecido pela qualidade não apenas da sua fotografia mas também da sua escrita, tornando-se, em pouco tempo, co-editor da revista.

Aos 29 anos casa-se, muito por insistência da família que achava que era tempo de assentar, com uma mulher que não amava e o casamento viria apenas a consumar-se um ano depois. O casamento nunca o satisfaz, não existia uma empatia natural a nível de interesses culturais e artísticos. O dinheiro da família dela foi-lhe, no entanto, bastante útil e, embora tenham tido uma filha, viviam praticamente separados debaixo do mesmo tecto.

Mais tarde, em 1896, a partir de duas outras organizações, forma a Camera Club de Nova Iorque e cria a, então, melhor revista de fotografia do mundo, a Camera Notes, continuando, também, a fotografar e a expor.

Mais tarde, depois de alguns esgotamentos nervosos devidos ao excesso de trabalho, viria a formar uma outra revista, a Camera Work, que ele pretendeu que fosse a melhor e a mais sumptuosa revista de fotografia - e assim foi. A qualidade de impressão era tal que parecia estar-se em presença das fotografias originais. Trabalhava freneticamente em todas as frentes e os esgotamentos continuavam. O rigor que colocava em tudo, o perfeccionismo levado ao extremo, a centralização das decisões, levaram-no a incompatibilizar-se frequentemente com os seus colaboradores e amigos mais próximos que não lhe perdoavam aquilo que, por vezes, se parecia com arrogância. Mas todos lhe reconheciam qualidades ímpares e as relações acabavam por ser reatadas.

Mais tarde, um grande amigo desafiou-o a expor num apartamento que tinha umas salas vazias. E assim, em 1905 aí abre a sua 1ª galeria, The Little Galleries of the Photo Sucession, com 100 fotografias de 39 fotógrafos. Foi um sucesso imediato.

Alfred Stieglitz e a mulher, Emmeline

Portanto, com o suporte financeiro da família da mulher (mulher que nunca desistiu de tentar conquistar o seu amor), passou a ter mais uma ocupação, a de galerista. Mais tarde, para além de fotografia, viria a expor também desenho, pintura, cerâmica mexicana, escultura africana. Foi um percursor, um moderno.

No entanto, financeiramente havia sempre dificuldades. Apenas em 1909, com a herança do pai, viria a haver algum desafogo.

Os seus interesses foram-se alargando e em 1912 a Camera Work publicou um número especial dedicado exclusivamente a Picasso e Matisse que, desta forma, foram introduzidos ao público americano.

Mas Janeiro de 1916 foi, para ele, a data marcante. Alfred Stieglitz viu um portfolio de desenhos de uma jovem pintora, Georgia O’Keeffe, e ficou encantado, era diferente de tudo o que tinha visto. Sem a conhecer e sem lhe pedir autorização, resolveu organizar uma exposição numa sua nova galeria, a 291.

Quando ela soube, através de um amigo, que o seu trabalho estava exposto, dirigiu-se lá e naturalmente manifestou o seu profundo desagrado. Stieglitz sentiu-se imediatamente atraído por ela. Mas sem retribuição. Georgia viria a interessar-se, sim, por um amigo de Alfred, com quem trocaria correspondência romântica. Mas, ao fim de pouco tempo, o interesse acabou por se desvanecer.

No verão de 1917, iniciou-se então um período de correspondência intensa entre Georgia e Alfred que adorava escrever - partilhavam toda a espécie de pensamentos, até os mais privados.

Um afecto intenso começava a desenhar-se, uma paixão cada vez mais forte.

O afecto nascido da correspondência começa a querer materializar-se e, em breve, começam a encontrar-se sempre que podem.

Alfred desinteressou-se por tudo o que tinha feito até então. Fechou a galeria, fechou a revista, separou-se da sua mulher. Finalmente tinha encontrado a sua alma gémea (como ele se referia a ela), tinha encontrado o relacionamento que toda a vida tinha desejado. Já ia nos cinquenta e tais anos.

Levou 6 anos até que conseguisse o divórcio mas isso não os impediu de viverem juntos o seu grande amor.

No entanto, Georgia, um espírito livre, de vez em quando precisava de se isolar para pintar e ausentava-se durante meses, o que funcionava muito bem com Alfred.

Georgia O'Keeffe por Alfred Stieglitz

Para Alfred foi um período de ouro. Tinha encontrado a sua musa. Fotografou-a obsessivamente, especialmente a cara e as mãos mas também numerosos nus (não identificava o modelo). Ela tinha uma fortíssima personalidade e Alfred conseguiu captá-la. As suas fotografias são obras de arte.

Georgia O'Keeffe por Alfred Stieglitz

Em 1922 começa também uma série de fotografias de nuvens, especialmente para se pôr à prova, para ver o que tinha aprendido em 40 anos de fotografia, para provar que a sua fotografia tinha a ver com a maneira como via as coisas, as mesmas coisas que estavam à disposição de toda a gente. Durante cerca de 12 anos tira fotografias a nuvens. São as primeiras fotografias intencionalmente abstractas. Chamar-lhes-á Equivalents.

Equivalents - as nuvens de Alfred Stieglitz

Durante o período que viveram juntos, durante um dos períodos de isolamento de Georgia, ele fez uma série de nus com a mulher de um amigo, vindo a ter um affair com ela. Mais tarde Georgia descobriu mas não se importou, viu que tinha sido uma coisa física e passageira. Ela própria, mais tarde, viria a ter um affair com esse mesmo amigo.

Quando finalmente conseguiu divorciar-se, Alfred casou-se finalmente com Georgia, que não pretendia casar-se, dizendo que o relacionamento funcionava bem assim. Tinham temperamentos fortes e uma grande tendência para o confronto pelo que cuidadosamente o evitavam - grande parte do tempo nem se falavam. Georgia passava muito tempo no seu rancho em New México e Alfred em Nova Iorque, excepto no verão em que ia passá-lo com ela (ela gozava, dizia que ele, sendo hipocondríaco, não podia estar longe dos médicos) mas a escrita unia-os e fortalecia um afecto inabalável.

Dorothy Norman, por Alfred Stieglitz
Apesar de no decurso dos anos seguintes, ele se ter 'entusiasmado' por uma jovem, a quem fotografou nua inúmeras vezes, Dorothy Norman, com quem viria a ter um prolongado affair, o relacionamento com Georgia, com quem se encontrava geralmente apenas uma vez por ano, no verão, nunca esmoreceu, mantendo o hábito da escrita regular, intensa, uma vez por semana, pois ela era, de facto, a sua alma gémea.

Alfred morreu em 1946. Tinha estado em coma e parece que esperou que Georgia chegasse para só morrer com ela ao seu lado.

Georgia, espalhou as cinzas de Alfred e começou, então, um trabalho exaustivo de identificação e catalogação das milhares de fotografias da autoria do seu marido e de trabalhos de outros artistas.

Georgia doou praticamente todo esse espólio a museus, bibliotecas e universidades americanas. E continuou a pintar, a pintar, tendo vivido até aos 99 anos, até 1986.


(Texto traduzido e construido a partir de fontes disponíveis na internet, nomeadamente na Wikipedia e do livro 'Camera Work, the complete Photographs - Alfred Stieglitz', da Taschen)

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